Um poema de José Jorge Letria
Imagem: Pixabay
este silêncio não é da nossa lavra,
já nem Pessoa conversa com Pessoa,
com o feitiço sempre imenso da palavra
Este tempo só é o nosso tempo
porque é nossa a dor que nos sufoca
e faz de cada dia a ferida entreaberta
do assombro que esquivando-se nos toca
Esta ausência é dos netos, dos filhos, dos avós,
é a casa alquebrada pelo medo,
é a febre a arder na nossa voz
por saber que o mal a magoa em segredo
Este silêncio é um sussurro tão antigo
que mata como a peste já matava;
vem de longe sem nada ter de amigo
com a mesma angústia que nos castigava
Esta ausência é uma pátria revoltada
que se fecha em casa sempre à espera
que a febre não a vença nem lhe roube
a luz mansa que lhe traz a Primavera
Esta casa somos nós de sentinela,
à espera que a rua de novo nos console
e que festeje debruçada à janela
a alegria que só nasce com o sol
Esta ausência mais tarde há de ter fim,
por nada lhe faltar nem inocência;
que se escute o desejo de saúde
anunciando que vai pôr fim à inclemência
Que se abram as portas e as janelas,
que o medo, derrotado, parta sem destino
por ser esse o sonho colorido
que ilumina o riso de um menino.
José Jorge Letria
20 de Março de 2020
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