Guilherme d'Oliveira Martins
«La Tête Bien Faite» de Edgar Morin (Seuil, 1999) constitui uma reflexão de uma grande atualidade e oportunidade, que parte da consideração de Montaigne, segundo a qual, mais vale uma cabeça bem feita, que uma cabeça bem cheia…
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QUE PERFIL DOS ALUNOS?
Na
sequência do documento sobre o Perfil dos Alunos à saída da
Escolaridade Obrigatória muitos têm sido os que, em mensagens pessoais,
me têm feito chegar opiniões encorajadoras. Mais do que preocupações
diretamente ligadas às questões curriculares, que não devem confundir-se
com as opções ligadas ao trabalho que tive a honra de coordenar, o que
encontro nas preocupações manifestadas tem a ver com o seguinte: (a) uma
sociedade como a portuguesa precisa de colocar a educação e a formação
como primeiríssima prioridade; (b) é a aprendizagem e a sua qualidade
que têm de ser postas na ordem do dia, como fatores essenciais de
desenvolvimento humano; (c) não se trata de ver o aluno como um futuro
profissional ou técnico, mas de o considerar como pessoa e cidadão,
aptos a corresponder aos desafios da incerteza e da complexidade; (d) a
definição de um perfil não pode confundir-se com um molde, devendo ser
encarada como um quadro essencial capaz de se constituir uma referência
permanente para o aperfeiçoamento da educação e da escola; (e) nos
diversos domínios da educação e da formação não deve haver incerteza e
instabilidade ditadas pelos ciclos políticos e eleitorais; (f) os
progressos alcançados no médio e longo prazos entre nós corresponderam à
convergência de diversos elementos – alargamento da escolaridade
obrigatória, educação pré-escolar, aperfeiçoamento da avaliação nos
diversos domínios relevantes, melhoria da rede escolar, reconhecimento
de competências adquiridas, ensino profissional e artístico, formação de
professores, progressos no ensino superior etc.; (g) não pode haver,
assim, a tentação de considerar a uniformização como método adequado de
criação de uma rede pública de educação eficiente, justa, de qualidade
para todos. Eis por que razão uma perspetiva humanista procura
centrar-se na dignidade humana, na cidadania ativa e responsável, na
capacidade de ler e compreender o mundo contemporâneo e na resposta
adequada aos desafios do desenvolvimento humano.
OS DESAFIOS PARA OS PORTUGUESES
Os
avanços alcançados em Portugal em virtude da democracia merecem ser
realçados, mas exigem um esforço permanente no sentido da continuidade e
do aperfeiçoamento no sentido da qualidade. Não podemos esquecer que as
comparações internacionais revelam que os melhores sistemas educativos
evoluem no sentido de novos progressos. Os nossos estudantes estão,
assim, confrontados a cada passo com os avanços conseguidos no que de
melhor ocorre em outros países. Daí que tenha de haver um equilíbrio que
considere o acesso de todos à educação, a existência de medidas que
contrariem o insucesso e o abandono escolar e a promoção da qualidade. É
verdade que a educação não pode ser confundida com uma corrida de
obstáculos, no entanto impõe-se que haja a consideração de diversos
fatores, de modo que as desigualdades sejam contrariadas e não se tornem
elementos indutores de injustiça e de discriminação. Mas sejamos
claros: a escola deve formar pessoas e cidadãos aptos a pôr em prática e
a dar sentido aos valores da responsabilidade e integridade; da
excelência e exigência; da curiosidade, reflexão e inovação; da
cidadania e participação; e da liberdade. A escola visa alcançar
educação de qualidade para todos – cabendo as políticas sociais garantir
a igualdade de oportunidades e a correção das desigualdades. Não pode
haver confusão de funções ou inversão de prioridades. Os conhecimentos e
a preparação de cidadãos cultos, livres, responsáveis e informados não
podem ser subalternizados em relação a supostas medidas de índole
social. A diferenciação positiva obriga a considerar cada aluno com as
suas especificidades próprias, segundo uma pedagogia correta e adequada.
A qualidade nas diferentes áreas de competências tem, por isso de ser
especialmente considerada: linguagem e textos; informação e comunicação;
pensamento crítico e criativo; raciocínio e resolução de problemas;
saber científico, técnico e tecnológico; relacionamento interpessoal;
desenvolvimento pessoal e autonomia; bem-estar, saúde e ambiente;
sensibilidade estética e artística; consciência e domínio do corpo.
RECONHECIMENTO DAS DIFERENÇAS
O
reconhecimento das diferenças pessoais obriga à necessidade de
considerar a motivação, o reconhecimento das capacidades, o
acompanhamento das aprendizagens, as correções necessárias – de modo que
a educação para todos seja uma realidade, ninguém devendo ficar para
trás ou ser preterido por razões sociais ou económicas. É este, aliás, o
sentido da ponderação de um núcleo fundamental de aprendizagens e de
uma margem de flexibilidade que permita ir ao encontro das diferenças,
sem pôr em causa um denominador comum que considere a coesão social e
cultural e evite a fragmentação e a exclusão. Neste ponto, importa
voltar a distinguir a função reservada à definição de um «Perfil» da
consideração do desenvolvimento curricular. Não são confundíveis.
Enquanto o «Perfil» pretende ser mais estável e duradouro, não
dependente dos ciclos eleitorais, a organização curricular, devendo
respeitar as preocupações fundamentais, pode e deve ser ajustada –
segundo um desígnio de permanência e de estabilidade. O mesmo se diga em
relação à margem de flexibilidade – que deve ir ao encontro da
exigência de motivação dos estudantes e de contribuição para que haja
melhores aproveitamentos, melhor qualidade, menos abandono e maior
ligação entre a escola e a comunidade. Assim, sem querer pôr em causa a
salvaguarda da função integradora do «Perfil», torna-se fundamental
referir que muitas das preocupações suscitadas por críticos do processo
deverão ter resposta positiva, no sentido da exigência, da qualidade e
da avaliação. É essa a orientação definida no “Perfil” – de modo que
para todos seja salvaguardada a capacidade de transformar informação em
conhecimento, bem como de responder aos fundamentais desafios do
progresso. Se falamos de avaliação, importa deixar claro que estamos
perante um desafio complexo e necessário que não pode limitar-se à
avaliação dos estudantes, devendo abranger as instituições e os
professores – como, aliás, é consagrado nos sistemas que apresentam
melhores resultados globais e níveis comparados de qualidade.
A CHAVE DA APRENDIZAGEM
O
aprender a conhecer, o aprender a fazer, o aprender a viver juntos e a
viver com os outros e o aprender a ser, referidos no relatório da
UNESCO, coordenado por Jacques Delors, constituem elementos que devem
ser vistos nas suas diversas relações e implicações. Isto mesmo obriga a
colocar a educação durante toda a vida no coração da sociedade – pela
compreensão das múltiplas tensões que condicionam a evolução humana.
Não
há melhor investimento do que na valorização das pessoas. Devemos,
pois, compreender os sete pilares que Edgar Morin considera essenciais
para a Educação, numa cultura de autonomia e responsabilidade:
(a)
prevenção do conhecimento contra o erro e a ilusão;
(b) ensino de
métodos que permitam ver o contexto e o conjunto, em lugar do
conhecimento fragmentado;
(c) o reconhecimento do elo indissolúvel entre
unidade e diversidade da condição humana; (d) aprendizagem duma
identidade planetária considerando a humanidade como comunidade de
destino;
(e) exigência de apontar o inesperado e o incerto como marcas
do nosso tempo;
(f) educação para a compreensão mútua entre as pessoas,
de pertenças e culturas diferentes; e
(g) desenvolvimento de uma ética
do género humano, de acordo com uma cidadania inclusiva.
Torna-se, pois,
fundamental encontrar um ponto de convergência que permita assegurar
que a educação e a formação das pessoas seja assumida como prioridade
nacional. Cuidando dos princípios, da visão, dos valores e das áreas de
competências estamos a tratar do assumir pleno de responsabilidades num
mundo em acelerada mudança…
Temos condições únicas para o conseguir,
aproveitando as potencialidades da geração mais qualificada que alguma
vez existiu em Portugal.
Guilherme d'Oliveira Martins
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