HAVEMOS DE IR A VIANA
Havemos de ir a Viana, dizias, e eu perguntava-te porquê Viana, e tu não respondias, não poderias responder porque não estavas ali comigo, naquele lugar que tinha o desconsolo de não ser Viana, e eu com as tuas flores na mão e o cartão onde tinhas escrito apenas isso, Havemos de ir a Viana, e eu a segurá-lo como se segurasse o bilhete para a viagem e a perguntar-me porquê Viana, eu que na verdade não segurava o teu cartão, não segurava nada e era esse o meu problema, eu insegurava, eu insegurava tudo e imaginava-te a sorrir com os meus jogos de palavras, tão parvos como a nossa separação, e perguntava-me porquê Viana, e lembrava-me vagamente dessa expressão, talvez num poema, talvez numa canção, e ia para a internet escrever a tua frase e depois esquecia-me de entender o que tinha aquilo a ver connosco, perguntava-me porquê Viana e na minha imaginação tu respondias que Viana era o lugar seguinte, respondias é isso que importa, que seja o lugar seguinte, e eu que tinha a mania de interpretar tudo, de exagerar tudo, de confundir tudo, e desta vez não poderias ser tu a esclarecer esse terrível mistério, e na minha imaginação tu passavas a mão no meu cabelo e explicavas-me que o que importava não era bem Viana, que o que importava era o verbo, a forma verbal, que era nesse havemos de ir que tudo existia agora sem mim, e eu a descobrir tudo, eu que não conhecia Viana mas que te conhecia, e talvez nunca te tivesse conhecido realmente sem ter ido contigo a Viana, mas como é que eu fiz isto, como é que nos separámos antes de termos ido a Viana, eu a entrar em pânico e a querer ir contigo a Viana ou a qualquer lugar seguinte, eu que estava no Porto sem ti, que até não ter ido a Viana era algo que tinha feito sem ti, eu que em Viana talvez estivesse contigo, e Viana era como se fosse futuro, e então em vez disso tu poderias ter dito Havemos de ir ao futuro, e eu cheia de pressa, cheia de pressa de te dizer
sim, havemos de lá ir.
Filipa Leal, in Vem à Quinta-Feira, ed. Assírio & Alvim
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