quarta-feira, 12 de março de 2025

"Isto é gozar com quem escreve" – Entrevista improvável

 

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 No ano em que se assinalam os 200 anos do nascimento de Camilo Castelo Branco, a Biblioteca da Escola e o Camilo Projetos apresentam um encontro inédito entre dois gigantes da literatura portuguesa: Camilo Castelo Branco e Eça de Queirós.

Nesta entrevista imaginária, os dois escritores, recriados com recurso à inteligência artificial, conversam sobre literatura, sociedade, ironia e crítica de costumes. Uma viagem criativa e provocadora que aproxima passado e presente. Imperdível!


👉 Assista ao vídeo e mergulhe nesta conversa intemporal.

 

 

 



 
 
👉Partilhamos o texto da entrevista:  
 
RAP: Bem-vindos a mais uma edição especial de Isto é gozar com quem trabalha. Aliás, hoje seria dizer Isto é gozar com quem escreve, uma vez que temos connosco dois pesos pesados da pena: Camilo Castelo Branco e Eça de Queirós! Meus senhores, agradeço a vossa presença, especialmente por terem viajado diretamente do século XIX para cá.

Camilo Castelo Branco: Um prazer, meu caro. Sempre gostei de ambientes vivos e de conversas espirituosas. Se bem que, vindo eu do Além, já pouco me espanta.

Eça de Queirós: Igualmente. Embora, confesso, a ironia da situação me divirta bastante. Um programa moderno, conduzido por um humorista, a debater literatura… Quem diria que os tempos mudaram tanto… ou tão pouco!

RAP: Começamos bem. E por falar nisso, o que pensa cada um da obra do outro? Camilo, começamos por si.

Camilo Castelo Branco: Ora bem, o jovem Eça… é talentoso, sem dúvida. Mas, a meu ver, demasiado moderno, demasiado satírico e mordaz. Ele olha para o mundo como um entomologista a estudar insetos. Eu prefiro olhar para o mundo com paixão, com sangue nas veias. Eu escrevo sobre o coração humano, aqui o Eça escreve sobre os seus defeitos.

Eça de Queirós: E eu diria que Camilo escreve com o coração, sim, mas muitas vezes deixa-se enganar por ele. Há um romantismo exacerbado na sua obra, uma tendência para a tragédia, como se todo o destino humano fosse desgraçado. Eu procuro expor as falhas da sociedade, não para chorar sobre elas, mas para nos rirmos com elas.

RAP: E nessa diferença de perspetivas, onde entra a ironia?

Camilo Castelo Branco: A minha ironia é uma ironia de espada – afiada e certeira. Eu uso-a para cortar, para denunciar, para me rir daqueles que merecem ser ridicularizados. Mas nunca perco a paixão, o lirismo. Mais: a minha ironia é autoironia e autoconsciência literária, é uma ironia em cuja linhagem se inserem Píndaro, Boccaccio, Laurence Sterne, Cervantes, Jonathan Swift, Garrett. Aliás, foi um escritor desta linhagem que deu a Portugal um prémio Nobel. Estou a falar, naturalmente, de Saramago.

Eça de Queirós: A minha é a ironia do espelho. Ponho o espelho à frente da sociedade e deixo que ela veja o quão ridícula é. Se Camilo escreve com uma espada, eu escrevo com um bisturi. O resultado pode ser doloroso, mas a ideia é curar.

RAP: Isso leva-nos à crítica social. Ambos criticaram a sociedade do vosso tempo, mas de formas muito diferentes.

Camilo Castelo Branco: Certamente! E deixe-me responder ao que Eça disse há pouco. Porque dizer que eu me limitei ao romantismo sentimental e ao fatalismo trágico é uma leitura superficial da minha obra. O senhor Eça parece esquecer-se de que fui um dos primeiros a denunciar os valores patriarcais ultrapassados da sociedade portuguesa. Quem leu O Senhor do Paço de Ninães ou Novelas do Minho sabe bem que ridicularizei os preconceitos da nobreza decadente, a hipocrisia dos costumes e a opressão da mulher.

E mais: se eu quisesse seguir a fórmula do realismo que Eça tanto defende, eu teria sido dos melhores a fazê-lo – e provei isso com Eusébio Macário e A Brasileira de Prazins. Mas a literatura não pode ser uma camisa de forças, meu caro! Prefiro ter a liberdade de transitar entre géneros e estilos do que seguir apenas uma receita literária, que, diga-se a verdade, rapidamente se esgota. Afinal, explorar a veia do fantástico e, até, pasme-se a hagiografia, é uma admissão desse facto. Quem diria! O Eça realista a escrever sobre a vida de santos. Irónico, não é?

Eça de Queirós: Ah, Camilo, eu nunca duvidei da sua capacidade. Só acho que a sua crítica social, apesar de cortante, muitas vezes se rende à emoção, enquanto eu procuro manter o rigor da observação. Quanto à mudança na minha escrita, “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”.

Camilo Castelo Branco: Sim, sim, venha-me com o Camões... Você escreve como um cirurgião que quer extirpar tumores da sociedade. Mas às vezes a cirurgia é fria, meu caro! Há algo de profundamente humano em aceitar a tragédia sem tentar reformá-la.

Eça de Queirós: E há algo de profundamente necessário em tentar reformá-la. Se não mudamos nada, limitamo-nos a fazer literatura para entreter os corações sofredores, sem lhes dar nenhuma solução.

RAP: Mas então… e a receção do vosso trabalho? Como sentiram que o público vos recebeu?

Camilo Castelo Branco: Fui amado! O público leu-me com paixão, com lágrimas nos olhos, com entusiasmo! Porque eu escrevia para eles, para o coração deles.

Eça de Queirós: Alguns acusaram-me de não saber escrever, de utilizar demasiados galicismos. Sinto, todavia, que fui lido com inteligência. Houve quem me odiasse, claro – especialmente aqueles que se viram no espelho que lhes pus à frente. Mas com o tempo, perceberam que a crítica não era apenas maldade, era necessidade.

RAP: Para terminar, queria uma última frase da parte de cada um.

Camilo Castelo Branco: Pois bem, direi então que, num mundo onde os romances são julgados por humoristas, isto, meu caro, é gozar com quem escreve!

Eça de Queirós: E eu direi que, num país onde a sociedade continua a ser tão ridícula quanto no meu tempo, escrever continua a ser um ato de humor involuntário. Em suma… isto é gozar com quem escreve!

RAP: E assim terminamos! Obrigado aos dois por esta conversa improvável. E lembrem-se, leiam os clássicos portugueses. Eles ainda se ririam de nós hoje. Boa noite!
 
Vídeo: Margarida Seixas (Camilo Projetos) 
Texto: Adelaide Jordão e ChatGPT 
 
 
Camilo 200 

 

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