sábado, 4 de abril de 2020

As redes sociais e as selfies




Imagem: Pixabay




S
uponho que não existem muitas pessoas que tenham falado tão abertamente da vida privada quanto eu. Nada tenho a esconder, gosto da escrita intimista e habituei-me a ler autobiografias. Foi por isso que publiquei “Bilhete de Identidade”. Não estava à espera do alarido que a obra causou, nem, muito menos, das reacções, positivas e negativas, por parte de amigos, familiares e colegas. O meu propósito não era o de me exibir, mas o de tentar falar de mim e do meu país aproveitando os ensinamentos da sociologia. Aliás, e não é um pormenor despiciendo, foi numa cave de Kingston Road, em Oxford, que em dois verões sucessivos — o de 2003 e o de 2004 — escrevi o livro.


Vem isto a propósito da reacção de espanto de certas pessoas quando lhes digo que não faço ideia do que seja um blogue, não tenho o WhatsApp, não uso o Instagram, nem, muito menos, o Facebook. Isto deriva, em certa medida, de não possuir jeito para lidar com máquinas, mas não é esse o factor principal que me levou a distan­ciar das redes sociais. Não desprezo nem odeio as pessoas que vivem dependentes destas formas de comunicação. Simplesmente, não me interessam. Para escrever, tenho o computador, e para falar com os amigos, o e-mail. Isto me basta. Mas sei que o meu mundo está a ser substituído por outro.

Os portugueses dedicam, em média, uma hora e meia por dia a consultar as redes sociais. Este facto explica os disparates que alguns me revelam como se de realidades se tratassem.

Podem acusar-me de reaccionária. Mas não é o caso: não pretendo proibir a ninguém o uso das novas maravilhas tecnológicas. Não pertenço à família ideológica do duque de Wellington, um homem que, na década de 1840, discursou na Câmara dos Lordes contra a construção das linhas férreas. Eis como o estratega das Linhas de Torres Vedras e vencedor de Napoleão em Waterloo justificou a sua posição: “Apenas iriam contribuir para encorajar as classes baixas a andar de um lado para o outro.” Pelo contrário, julgo, como Fontes Pereira de Melo, que os comboios representaram um progresso.
Notei há dias que os portugueses dedicam, em média, uma hora e meia por dia a consultar as redes sociais. Este facto explica os disparates que alguns me revelam como se de realidades se tratassem. Isto para não mencionar o facto de o Presidente do país mais influente do mundo, D. Trump, em vez de comunicar com os seus eleitores e com as potências estrangeiras através de discursos racionais, ter optado por usar uma coisa chamada Twitter.
Actualmente existem no mundo cerca de sete mil milhões de pes­soas, dos quais cinco mil milhões pos­suem um telemóvel, através do qual têm acesso às redes sociais. Não me espanta que as editoras se estejam a arruinar e que o livro pareça hoje um utensílio tão anacrónico quanto uma foice. Quando viajam, há pessoas que nada vêem do que têm diante de si, preferindo fotografar-se ao lado da estátua de David, em Florença — aliás, uma cópia —, a fim de, no regresso, fazerem inveja aos amigos que nunca se deslocaram a Itália. Se lhes perguntarmos quem foi o escultor, apenas uma minoria será capaz de dizer que o seu nome era Miguel Ângelo. Estamos diante da primeira geração do homo idiota.
Maria Filomena Mónica*. E-Revista, Semanário Expresso, 7 de março de 2020

Maria Filomena Mónica escreve de acordo com a antiga ortografia

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