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S
uponho que não existem muitas pessoas que tenham falado tão abertamente da vida privada quanto eu. Nada tenho a esconder, gosto da escrita intimista e habituei-me a ler autobiografias. Foi por isso que publiquei “Bilhete de Identidade”. Não estava à espera do alarido que a obra causou, nem, muito menos, das reacções, positivas e negativas, por parte de amigos, familiares e colegas. O meu propósito não era o de me exibir, mas o de tentar falar de mim e do meu país aproveitando os ensinamentos da sociologia. Aliás, e não é um pormenor despiciendo, foi numa cave de Kingston Road, em Oxford, que em dois verões sucessivos — o de 2003 e o de 2004 — escrevi o livro.
Vem isto a propósito da reacção de espanto de certas pessoas quando lhes digo que não faço ideia do que seja um blogue, não tenho o WhatsApp, não uso o Instagram, nem, muito menos, o Facebook. Isto deriva, em certa medida, de não possuir jeito para lidar com máquinas, mas não é esse o factor principal que me levou a distanciar das redes sociais. Não desprezo nem odeio as pessoas que vivem dependentes destas formas de comunicação. Simplesmente, não me interessam. Para escrever, tenho o computador, e para falar com os amigos, o e-mail. Isto me basta. Mas sei que o meu mundo está a ser substituído por outro.
Os portugueses dedicam, em média, uma hora e meia por dia a consultar as redes sociais. Este facto explica os disparates que alguns me revelam como se de realidades se tratassem.
Podem acusar-me de reaccionária. Mas não é o caso: não pretendo proibir a ninguém o uso das novas maravilhas tecnológicas. Não pertenço à família ideológica do duque de Wellington, um homem que, na década de 1840, discursou na Câmara dos Lordes contra a construção das linhas férreas. Eis como o estratega das Linhas de Torres Vedras e vencedor de Napoleão em Waterloo justificou a sua posição: “Apenas iriam contribuir para encorajar as classes baixas a andar de um lado para o outro.” Pelo contrário, julgo, como Fontes Pereira de Melo, que os comboios representaram um progresso.
Notei há dias que os portugueses dedicam, em média, uma hora e meia por dia a consultar as redes sociais. Este facto explica os disparates que alguns me revelam como se de realidades se tratassem. Isto para não mencionar o facto de o Presidente do país mais influente do mundo, D. Trump, em vez de comunicar com os seus eleitores e com as potências estrangeiras através de discursos racionais, ter optado por usar uma coisa chamada Twitter.
Actualmente existem no mundo cerca de sete mil milhões de pessoas, dos quais cinco mil milhões possuem um telemóvel, através do qual têm acesso às redes sociais. Não me espanta que as editoras se estejam a arruinar e que o livro pareça hoje um utensílio tão anacrónico quanto uma foice. Quando viajam, há pessoas que nada vêem do que têm diante de si, preferindo fotografar-se ao lado da estátua de David, em Florença — aliás, uma cópia —, a fim de, no regresso, fazerem inveja aos amigos que nunca se deslocaram a Itália. Se lhes perguntarmos quem foi o escultor, apenas uma minoria será capaz de dizer que o seu nome era Miguel Ângelo. Estamos diante da primeira geração do homo idiota.
Maria Filomena Mónica*. E-Revista, Semanário Expresso, 7 de março de 2020
* Maria Filomena Mónica escreve de acordo com a antiga ortografia
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