A transposição de obras literárias para o cinema surgiu com o intuito de atrair a plateia burguesa para a sétima arte. Desse modo ampliou-se a indústria que passou a acolher um público com um maior poder aquisitivo, que poderia pagar mais pelas sessões e frequentar o cinema com maior assiduidade. Podemos dizer que funcionou. No entanto, também provocou certo questionamento no espectador, que facilmente julga a obra literária como qualitativamente superior à sua adaptação cinematográfica.
Embora abranja várias artes - fotografia, teatro, música, dança, pintura e literatura -, o cinema tem a sua própria linguagem, uma linguagem que consegue criar representações e percepções de mundos, usando elementos de outras artes para construir novos olhares perante os espectadores.
Antes da invenção dos direitos autorais, o recurso a múltiplas linguagens artísticas gerou muitos conflitos. Mas, na atualidade, podemos dizer que a relação entre a literatura e o cinema se tornou amigável.
Em 1910, as histórias dos livros eram simplesmente apropriadas pelo cinema. Em Itália, em 1911, o escritor Gabriele d'Annunzio vendeu toda a sua obra a uma empresa cinematográfica e deu origem ao mercado literário no cinema. Segundo Ely Azeredo, o ranking de adaptações literárias é liderado pelas incontáveis filmagens da Bíblia, seguido por mais de 200 versões de Sherlock Holmes e, finalmente, no terceiro lugar, estão as adaptações de Drácula, de Bram Stoker.
Mas as relações entre a literatura e o cinema não se confinam às adaptações. A literatura surgiu 4 a 5 mil anos antes do cinema e contribuiu para a existência dos procedimentos narrativos na sétima arte.
Em A Forma do Filme (1929), Eisenstein, para além de abordar a importância da literatura no cinema, chama a atenção para o ato de observar, para o olhar critico e a arte de pensar, que existe tanto na literatura quanto no cinema. E, como disse Stravisky: a "arte requer comunhão", ou seja, é necessário o diálogo entre textos, nesse caso, entre a literatura e o cinema, a escrita e a imagem.
Thomas Edison, um dos pioneiros da sétima arte, disse que a sua invenção faria com que as crianças não precisassem mais de ler nenhum livro. Isso não aconteceu. Temos necessidade de percorrer as duas artes, pelas distintas linguagens, de imaginar as cenas na nossa mente quando lemos um livro e depois vermos se o filme pensou como nós, o que muitas vezes nos leva à decepção ou a novas visões. A decepção ocorre por acharmos os nossos pensamentos melhores do que o exposto na tela, que na realidade são percepções distintas, nem melhores, nem piores, apenas linguagens que criam mundos diferentes.
Ganhamos com a intertextualidade existente no cinema e a indústria ganha mais ainda. O cinema tende a adaptar best-sellers, obras de grandes autores consagrados, como Óscar Wilde, Shakespeare e Jane Austen, atingindo o público intelectualizado, e também novos escritores que atingem o grande público jovem, como Stephenie Meyer, Nicholas Sparks, J. K. Rowling e Meg Cabot. Não sabemos quem lucra mais com as adaptações, se o mercado editorial, que passa a vender o livro por causa do filme, com capas atrativas, despertando a curiosidade do espectador, ou se o mercado cinematográfico que atrai o já leitor que tem a oportunidade de ver as suas personagens preferidas representadas no cinema.
A indústria, na tentativa de lucrar, faz-nos caminhar entre as duas artes. A literatura, que faz com que exercitemos nossa imaginação, e o cinema, que faz com que observemos as imagens. Não podemos desconhecer o livro que deu origem ao filme, nem o filme que foi sustentado pela obra literária. É como se uma arte complementasse a outra, tornando-se uma situação difícil de ser ignorada.
É impossível pensar em cinema sem o relacionar com a indústria, que pode contribuir para a produção com arte sem necessariamente fazer arte. Mas, também, nos proporciona uma fonte inesgotável de sensações, prazeres e opções de reflexões, observações, leituras e releituras, inventando e transformando o nosso poder de introspecção, assim como a literatura que desempenha a mesma função em cada leitor. Ou seja, faz todo o sentido literatura e cinema unirem-se por uma mesma causa: a arte, suas representações e percepções.
Aline Vaz, Percepção e Representação (texto adaptado)
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