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Título: A utilidade dos saberes inúteis
Autores: Nuccio Ordine e Regina Gouveia
Prefácio: Maria Helena Damião da Silva
Revisão:João Ferreira
Coleção: Questões-Chave da Educação
Edição: Fundação Francisco Manuel dos Santos
1.ª edição: Outubro de 2017
ISBN: 978-989-8863-39-3
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A escolaridade é de amnésia planificada.
George Steiner, 2005.
Quanto mais soubermos sobre uma coisa, mais podemos voar.
Daniel Barenboim, 2009.
"Aldous Huxley, no seu Admirável mundo novo, publicado em 1932, criou um diálogo entre alguém que «emocionado por se encontrar em frente de um homem que tinha lido Shakespeare», perguntou: «Mas por que está ele proibido?» A resposta foi: «Porque é velho, eis a razão principal (…). O mundo é estável agora. As pessoas são felizes (…). Sentem-se bem, estão em segurança (…). É preciso escolher entre a felicidade e o que outrora se chamava a grande arte.».
Este breve recorte sugere a objecção já antiga – que, por vezes, se aproxima da proibição – de se integrar na educação escolar o conhecimento tendencialmente universal, erudito e abstracto, o conhecimento que a humanidade tem construído e que dá forma à civilização, ou seja, o conhecimento que vale por si mesmo e que, por acréscimo, pode ter um valor cognitivo
Nesta modernidade, que o sociólogo Zygmunt Bauman qualificou como “líquida”, tal objecção ganha novo fôlego. De facto, estando a atenção focalizada no “eu” e no seu contexto, marcados pela volatilidade e insegurança, prevalecem os significados singulares, a procura de um bem-estar subjectivo, de uma satisfação imediata que não passa de superficial. Em vez de contrariar esta tendência, que põe em causa o próprio sentido do que é, na tradição ocidental, ser-se educado, as reformas curriculares em curso e os discursos que as acompanham deixam perceber uma sobrevalorização do conhecimento situado, concreto e instrumental, de ordem pragmática, que serve, no momento, para resolver problemas sociais e pessoais.
Preparar seres individuais e individualistas, eventualmente integrados em grupos fechados nas suas identidades, que Karl Popper descreveu como prisões, empreendedores de si mesmos, competentes e competitivos num mercado de trabalho incerto, em simultâneo, vendo- -se auto-realizados e comportando-se dentro dos limites do ordeiro é, na verdade, a meta dessas reformas.
Acontece que nos discursos de muitos políticos, académicos, agentes e entidades da mais variada natureza que, à força de pressionarem os sistemas educativos, têm conseguido neles um lugar de destaque, essa meta, manifestamente distante do humanismo, é apresentada como a encarnação do humanismo autêntico. “Educação humanista”, “perfil de base humanista”, “condição humana” tornaram-se slogans recorrentes nos mencionados discursos, isto quando, de modo contraditório, o seu conteúdo aponta para a construção de uma “humanidade sem humanidades”. A expressão, originalmente em forma de interrogação, é do filósofo Fernando Savater num alerta para o perigo de a história, a filosofia, a literatura ou a cultura clássica desaparecerem da escola e, de seguida – pela extensão e complexidade do conhecimento que reúnem –, da nossa cultura. Neste rol podem-se incluir as línguas, bem como as artes e acrescentar as vertentes das ciências e da matemática a que não se veja rentabilidade ou aplicação tecnológica.
O que fica, então, no currículo que os estados proporcionam às novas gerações de modo a cumprirem o direito à educação consagrado no artigo 26.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos? Fica o “essencial”, que, não esqueçamos, tem de ser funcional e, em crescendo, “politicamente correcto”. Resulta uma tríade constituída por matemática, duas línguas e algumas ciências, trespassada por uma componente de cidadania, que está longe de o ser. Eis o “núcleo curricular” propagado como ideal do século xxi, mitigado pela equívoca ideia de que o aluno é activo, capaz de construir o seu próprio conhecimento se tiver oportunidade de desenvolver projectos com pertinência no quotidiano, em ambientes agradáveis, nos quais prevalecem as metodologias lúdicas, tudo podendo descobrir através de pesquisas, com recurso às tecnologias da informação e da comunicação.
O acima dito traz à lembrança a afirmação: «humanidades e ciências é tudo a mesma coisa», feita pelo homem de ciência e de poesia que foi Rómulo de Carvalho/António Gedeão. Queria ele dizer que tudo aquilo que arrolamos em duas categorias muito latas decorre do esforço feito pela humanidade para procurar entender a existência humana e torná-la mais consentânea com os seus desígnios, sendo, portanto, indissociáveis. Fazer amputações nessa unidade, desvirtuá-la sob um qualquer pretexto é trair a própria humanidade, provocar o esquecimento da sua marcha, retirar sentido ao presente e empenhar o futuro.
Os dois textos que constituem este livro e que traduzem o essencial do que foi dito na conferência com o título A utilidade dos saberes inúteis esclarecem, de uma maneira tão clara quanto bela, isso mesmo. [...]".
Prefácio: Maria Helena Damião da Silva, "Prefácio", in A utilidade dos saberes inúteis, pp. 7-9.
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