#Camões500
Camões (serigrafia), Júlio Pomar
Os quatro centenários de Camões têm sido objeto de polémica e de comemorações nacionais e com repercussão internacional. Um dos autores, dos séculos XIX e XX, que mais concentrou a atenção na vida e na obra do poeta foi Teófilo Braga, ao estudar os textos mais antigos de biógrafos e comentadores. Destacou-se na campanha de opinião pública efetuada em 1880, para assinalar em todo o país o terceiro centenário da morte de Camões. A informação existente indicara o dia 10 de Junho. “Pelo amor do seu território, pela necessidade de manter a independência” — afirmou Teófilo — “é possível alcançar uma ação comum, um sentimento coletivo que fortifica o sentimento da pátria e da nacionalidade.” Camões — advertiu — “deu expressão a esse sentimento, que transformou uma pátria numa nacionalidade”. Era a concretização dos objetivos políticos para fazer cair a monarquia constitucional: promover a coesão do Partido Republicano, unindo as várias tendências e grupos dispersos, no pensamento e na ação. O centenário de Camões, de 1880, passou a ser a certidão do nascimento do Partido Republicano que, 30 anos depois, implantará o novo regime.
Quando, na Primeira República, se acentuava uma profunda crise política e militar, Camões voltou a ser apontado como incentivo fundamental para superar divergências insanáveis. Ainda foi Teófilo — cerca de um mês antes de falecer — a sugerir que o centenário do nascimento de Camões ocorria de 4 para 5 de fevereiro de 1524. O Governo presidido por Álvaro de Castro e tendo como ministro da Instrução António Sérgio determinou que houvesse feriado nacional no dia 5 de fevereiro de 1924. A data foi aprovada pelo Congresso da República e promulgada pelo chefe de Estado Manuel Teixeira Gomes. Mobilizou intelectuais e políticos de todas as tendências, sem conseguir impedir, cerca de um ano depois, a implantação em 28 de 1926 da ditadura militar e, em 1932, da ditadura de Salazar.
Para Salazar, o 10 de Junho começou por ser o “dia da raça”, uma das expressões introduzidas no discurso de inauguração do Estádio Nacional do Jamor, em 1944, ainda em plena Guerra Mundial, quando os ódios raciais continuavam a enviar judeus para os campos de concentração. Terminada a guerra, em maio de 1945, perdurou a denominação “dia da raça”, até que, pelo decreto 34596, de 4 de janeiro de 1952, ficou a ser feriado nacional, num reajustamento com a Concordata estabelecida com a Santa Sé, que repôs outros feriados. A partir de 1963, Salazar transformou o 10 de Junho no Dia de Portugal para enaltecer as Forças Armadas e justificar a Guerra Colonial em três frentes de combate. Marcelo Caetano prosseguiu a continuação destas cerimónias. O Terreiro do Paço transformou–se, ano após ano, em palco de exaltações de heroísmo nacional e de orgulho patriótico ao condecorar os militares que se distinguiram nas operações na Guiné, Angola e Moçambique.
Com o 25 de Abril e a independência das colónias, o 10 de Junho ficou a chamar-se “Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas”. Terminou a centralização em Lisboa e no Terreiro do Paço. As comemorações, a partir de então, realizaram-se nas mais diversas cidades do continente e nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores. Este ano, o 10 de Junho assume um significado mais amplo: coincide com o quinto centenário do nascimento de Camões. A programação ainda não se encontra especificada em todos os detalhes, mas existirá uma exposição bibliográfica, a realização de colóquios que se prolongarão até 2026 e, ainda, uma antologia camoniana.
António Valdemar. Revista E - Semanário Expresso, 7 de junho de 2024
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