terça-feira, 11 de julho de 2023

O dia em que acordei em 2050


 

 

Ampulheta, Tempo, Horas, Relógio


 

 

 

 

 

 

 

 

 



O futuro é hoje. O jornalista Ricardo Garcia levou a expressão à letra e nesta crónica imagina-se em 2050, com 88 anos, quando os idosos serão já um terço dos portugueses. Para assinalar o Dia Mundial da População, mostra-nos um dia-a-dia novo, baseado nas projeções das Nações Unidas e do Instituto Nacional de Estatística.



Já tenho 88 anos, quem diria. Calma, não estranhem. Vocês ainda estão em 2023, mas hoje eu acordei em 2050.

Quem me acordou foi o robô. Ele faz tudo: cuida da casa, traz-me os medicamentos, mede-me a tensão, conversa comigo. Combinámos uma sessão de dança às quartas, depois do jantar. A minha mulher até está com ciúmes.

Custou-me os olhos da cara, mas valeu a pena. Vocês não imaginam a dificuldade que é encontrar alguém que nos ajude. Há uma falta de gente para trabalhar, que nem vos conto. Entre 2023 e 2050, a população ativa, entre os 15 e os 64 anos, diminuiu em 1,5 milhões de pessoas em Portugal. Mas há quase um milhão de idosos a mais.

Investi também num apartamento novo. Tem janelas amplas e baixas, para quem está sentado, há espaço suficiente para uma cadeira de rodas circular à vontade, a cozinha tem bancadas e armários acessíveis. Tudo isso e mais alguma coisa está regulamentado, agora que uma em cada três pessoas em Portugal tem 65 ou mais anos.

Nota-se quando saio à rua. Alias, a rua está diferente. As cidades tiveram de se adaptar. Os passeios foram alargados e melhorados. Há mais bancos e casas de banho públicas. Os semáforos dão mais tempo aos peões para atravessarem. Há mais lugares prioritários nos autocarros.

O que não se aguenta é o calor. Vocês achavam que isto do aquecimento global era brincadeira? Esperem para ver.

Pelo menos, no ginásio há ar condicionado. Sim, vou ao ginásio, a uma aula para superidosos que ainda mexem. Está cheio de malta como eu. E é quase tudo mulheres, o que não é de espantar: acima dos 85 anos, há quase duas mulheres para cada homem no país. Ah, se fosse aos 20…

Somos quase 800 mil com mais de 85, o dobro do que havia no país em 2023. Os centenários, então, quintuplicaram, de dois mil para 10 mil. Vender velas de aniversário nunca foi tão bom negócio.

É hora do almoço, vou à tasca. Muito se falou, no passado, de que não haveria alimentos suficientes para tanta gente no mundo. Chegámos aos 8 mil milhões de pessoas em 2023 e agora já vamos com 9,7 mil milhões. Mas a escalada arrefeceu e consta que, mais para o final do século, a população mundial começará a cair.

Isso não é consolo para o continente africano, onde o número de habitantes inchou em 70%. A Nigéria é hoje o terceiro país mais populoso do mundo. Nunca vi tantas notícias sobre imigrantes a arriscar tudo para conseguir uma vida melhor.

Na Europa, ao contrário, a população encolheu. Houve países que perderam um quinto dos seus habitantes, como a Bulgária, Lituânia, Letónia e Sérvia.

Cá em Portugal, somos hoje 9,6 milhões de almas – quase 800 mil a menos do que em 2023. Se não fosse o efeito da imigração – que trouxe ao país pessoas em idades de terem filhos – seríamos 8,9 milhões. Na Área Metropolitana de Lisboa e no Algarve, a população até aumentou um bocadinho. Mas em todas as outras regiões do Continente, diminuiu 13%.

Sempre se dizia que o aumento da população era um problema. Mas a redução também é. Esperem só para ver a crise nas pensões que vão encontrar quando chegarem a 2050. No vosso tempo, por cada 10 idosos havia 27 pessoas em idade ativa contribuindo para a segurança social – e já era pouco. Agora há apenas 15. A idade da reforma aumentou, o valor das pensões baixou e os encargos com a Segurança Social são um absurdo.

Não é à toa que vejo tanta gente de cabelo branco ainda a trabalhar, como este senhor que me atendeu na caixa do supermercado. Vim comprar leite e agora vou para casa, jogar uma partida de xadrez com o robô. Mas não me vou demorar. Quero ir cedo para a cama, pois amanhã não sei em que ano vou acordar.


Nota: Os cenários desta crónica baseiam-se em dados do Instituto Nacional de Estatísticas (Projeções da população residente 2016-2080) e da Divisão de População das Nações Unidas (World Population Review 2022)

 

Ricardo Garcia. Fundação Francisco Manuel dos Santos. 8 de julho de 2023

 

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