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á uns meses, em novembro, perguntei à minha mãe quantos anos ela tinha, na sua cabeça. Ela não parou, não olhou para cima, nem sequer me pediu para repetir a pergunta, o que teria sido natural, uma vez que era ao mesmo tempo sintaticamente complicada e um pouco estranha. Estávamos na sala de jantar do meu irmão, a pôr a mesa. A minha mãe dobrou outro guardanapo. “45”, disse. Ela tem 76 anos.
Por que razão tantas pessoas compreendem rapidamente e de forma intuitiva este conceito altamente abstrato de “idade subjetiva”, como lhe chamam, quando aleatoriamente se fala nisso? Se pensarmos bem, é bizarro. Certamente, a maioria de nós não acredita ser mais baixo ou mais alto do que realmente é. Não pensamos em nós mesmos como tendo orelhas mais pequenas, narizes mais compridos ou cabelo mais encaracolado. A maior parte de nós também sabe onde os nossos corpos estão no espaço, algo a que os fisiologistas chamam de “propriocepção”.
No entanto, parece que é muito difícil conseguirmo-nos localizar no tempo. Um amigo, com quase 60 anos, disse-me recentemente que sempre que se olha ao espelho fica mais assustado com a sua aparência do que infeliz — “como se houvesse algum erro” foram as suas palavras exatas. (Os encontros com antigos colegas de escola podem ter esse mesmo efeito confuso. Olhamos em volta para os nossos colegas mais gordos e pensamos como é possível que se tenham rendido tão violentamente ao passar do tempo; depois vemos fotos nossas daquele mesmo evento e percebemos: oh...) O abismo entre a idade que temos e a idade que achamos ter pode, muitas vezes, ser medido em anos-luz — ou pelo menos num número elevado de anos terrestres.
Como seria de esperar, existem estudos que examinam esse fenómeno. (Há estudos sobre tudo.) Como seria também de esperar, a maioria dos estudos é muito pouco imaginativo. Muitos têm as suas origens no campo da gerontologia, focam-se principalmente nos resultados para a saúde, o que significa que perguntam aos participantes com quantos anos se sentem, o que, geralmente, leva esses participantes a pensar que querem saber com quantos anos se sentem fisicamente, o que provoca então a conclusão nada surpreendente de que, se se sentem mais velhos, provavelmente são, no sentido em que estão a envelhecer mais depressa.
Mas “com quantos anos se sente?” é uma pergunta completamente diferente de “quantos anos tem, na sua cabeça?”. O estudo mais inspirado que li sobre a idade subjetiva, de 2006, perguntava isso mesmo aos seus 1470 participantes de uma vila dinamarquesa (sendo a Dinamarca o tipo de lugar onde este género de estudos são feitos). O que os dois autores descobriram é que os adultos com mais de 40 anos se sentem, em média, cerca de 20% mais jovens do que a sua idade real. “Fizemos este estudo, e os dados foram maravilhosos”, diz David C. Rubin (75 anos na vida real, 60 na sua cabeça), um dos autores do estudo e professor de Psicologia e Neurociência na Duke University. “Com todas estas curvas bonitas e suaves.”
A razão pela qual estamos possuídos por este desejo de subtrair é outra questão. Rubin e Dorthe Berntsen, coautora, não fizeram dela o foco deste estudo em particular, e os investigadores que o fazem propõem muitas vezes uma resposta brutal e previsível — ou seja, que muitas pessoas consideram que envelhecer é uma catástrofe, o que, embora seja verdade, parece contar apenas uma parte da história. É possível chegar também a uma conclusão diferente: que ver-se como mais jovem é uma forma de otimismo e não de negação. Mostra que cada um imagina ter muitos anos generativos à sua frente, que não será apagado, que o seu futuro não é um longo e temeroso corredor de portas trancadas.
Penso nos meus próprios números, por exemplo, que, embora se afastem um pouco da regra de Rubin-Berntsen, ainda estão dentro de um intervalo razoável (ou assim Rubin me assegura). Tenho 53 anos na vida real, mas fiquei nos 36 na minha cabeça, e, se conseguir que o meu cérebro pare de andar à roda durante algum tempo, caio sempre na mesma explicação: aos 36 anos conhecia os contornos gerais da minha vida, mas ainda não os tinha preenchido; estava confortável profissionalmente, mas ainda repleta de potencial; já estava com o meu marido, mas ainda não me tinha perdido nos pântanos de um longo casamento (e, OK, ainda não era uma mulher estafada); estava quase a engravidar, mas ainda não era uma mãe sempre preocupada com os hábitos alimentares, os ecrãs, os estudos, as brutais desgraças dos adolescentes e os fornecedores de pornografia da internet. Por outras palavras, ainda não estava na autoestrada cinzenta da meia-idade.
“Tenho 35 anos”, escreveu o meu amigo Richard Primus, 53 na vida real e professor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Universidade do Michigan. “Acho que é porque foi com essa idade que as principais perguntas/estados da vida que tinha chegaram às resoluções/condições em que permanecem desde então.” Resultado: é mais ou menos como a minha resposta, mas mais otimista. E continuou: “Os teólogos cristãos medievais fizeram uma pergunta intrigante: ‘Que idade têm as pessoas no céu?’ A resposta dominante foi: 33 anos. Em parte porque era a idade de Jesus quando foi crucificado. Mas acho que em parte é porque parece que essa idade é uma espécie de pico para o índice de vigor-maturidade combinado.”
O índice de vigor-maturidade combinado? Sim!
O Richard estava a responder-me no Twitter, onde eu tinha lançado a minha questão às massas: “Com quantos anos se sente, na sua cabeça?” (Afinal, parece que não sou a única com esse impulso; Sari Botton, fundadora da “Oldster Magazine”, publica regularmente questionários que faz a escritores, artistas e ativistas de uma certa idade, e esta é a segunda pergunta que lhes coloca.) Ian Leslie, autor de “Conflicted” e dois outros livros sobre ciências sociais (tem 32 anos na cabeça, 51 na “velha realidade entediante”), tem uma visão semelhante à minha e à de Richard, mas acrescentou uma observação astuta e humilde: vermo-nos, internamente, como substancialmente mais jovens do que somos pode causar alguma estranheza social séria.
“Os adultos de 30 anos devem estar cientes de que, para melhor ou para pior, os adultos de 50 anos com quem estão a falar pensam que têm todos aproximadamente a mesma idade”, escreveu. “No verão estive numa festa em que a média de idades era de cerca de 28 anos, e eu tive de fazer um esforço consciente para me lembrar de que não tinha a mesma idade — eles claro que sabiam, por isso era assimétrico.”
Sim. Eles sabem. Já passei por essa experiência inquietante, em que vi pouca diferença entre a pessoa na casa dos 30 com quem falava e o eu na casa dos 50, quando de repente a pessoa na casa dos 30 fez um comentário que mostrou o quão consciente estava da diferença de idades entre nós, que essa diferença parecia enorme, que aos seus olhos eu podia muito bem ser a Dame Judi Dench.
Apesar de muitos se manterem fiéis à regra de Rubin-Berntsen, as respostas que recebi no Twitter nem sempre falavam sobre o potencial. Muitas carregavam um sopro de pungência inesperada. Por vezes, o trauma tinha um papel importante: uma pessoa ficou presa nos 32 anos, incapaz de pensar em si mesma como mais velha do que um irmão que havia morrido; outra ficou presa por um longo período nos 12 anos, altura em que o seu pai se juntara a um culto. (Rubin também escreveu sobre esse fenómeno — a centralidade de certos eventos para as nossas memórias, especialmente as nefastas. Às vezes, congelamos na idade dos nossos traumas.)
O meu amigo Alan, que está na casa dos 50 anos, disse-me que pensa em si mesmo como tendo 38, porque ainda pensa no seu pai de 98 anos como tendo 80. A escritora Molly Jong-Fast respondeu que tem 19 anos, porque foi com essa idade que ficou sóbria. Uma mulher de 36 anos disse que achava que a pandemia era uma ladra do tempo — ela simplesmente não tinha acumulado novas experiências suficientes para justificar a adição de anos cronológicos —, o que, por vezes, a tornou mais jovem na sua cabeça, como se estivesse a andar para trás no tempo.
Quando mencionei a um colega que estava a escrever este artigo, ele disse-me que tinha 12 anos na sua cabeça, não porque pensasse em si mesmo como sendo uma criança, mas porque o seu eu interior permanecera inalterado à medida que ele fora envelhecendo. “Tenho a mesma consciência de sempre desde que me tornei consciente.” As suas palavras instantaneamente me lembraram uma frase das primeiras páginas de “A Imortalidade”, de Milan Kundera: “Há uma certa parte de todos nós que vive fora do tempo.”
É claro que nem todos com quem falei se viam mais jovens. Havia algumas almas velhas, algo que já disse sobre mim mesma há algum tempo. Aos 10 anos sentia-me com 40, quando a “cusquice” e o elitismo das outras meninas me parecia não apenas cruel mas aborrecido; aos 22 anos sentia-me com 40, quando quase não saía à noite; aos 25 anos sentia-me com 40, quando comecei a acumular amigos não universitários e percebi que preferia a companhia de pessoas mais velhas; e quando completei 40 anos fiquei genuinamente aliviada, como se finalmente tivesse conseguido algum tipo de alinhamento temporal interno-externo cósmico.
Mas, com o tempo, comecei a andar para trás. As outras pessoas também o fazem, apenas começam mais cedo — aos 25 anos —, e Rubin tem uma teoria sobre a razão de isso acontecer. A adolescência e o início da idade adulta são tempos densos de primeiras vezes (primeiro beijo, primeira experiência sexual, primeiro amor, primeira incursão no mundo sem o olhar vigilante dos pais); são também momentos em que os nossos cérebros, por uma variedade de razões de neurodesenvolvimento, estão inclinados a sentir as coisas mais intensamente, especialmente o sussurrar do diabo sobre um bom e insensato risco. A singularidade e densidade desses períodos manifestaram-se noutras áreas do estudo de Rubin. Há alguns anos, ele e outros investigadores mostraram que os adultos têm um número maior de memórias entre os 15 e os 25 anos. A este fenómeno deram o nome de “choque de recordações”. (Isso é geralmente usado para explicar por que razão respondemos de forma tão intensa à música da nossa adolescência — o que, no meu caso, significa que o meu iPhone está carregado com muito mais músicas dos Duran Duran do que qualquer pessoa deve admitir.)
Rubin e Berntsen fizeram uma segunda descoberta intrigante no seu trabalho sobre a idade subjetiva: as pessoas com menos de 25 anos disseram que se sentiam mais velhas do que são, não mais novas — o que, mais uma vez, faz sentido para alguém que já conheceu uma criança de 10 anos, um adolescente de 15 anos e um jovem de 21 anos. Estão ansiosos por mais independência e por serem levados mais a sério; na sua cabeça, estão prontos para ambos, embora o seu córtex pré-frontal seja basicamente bastante imaturo.
No estudo de Rubin e Berntsen de 2006, o estatuto socioeconómico, o género e a escolaridade não afetaram significativamente os dados. Tal poderá estar relacionado com o facto de terem feito o seu estudo na Dinamarca, um país com substancialmente menos desigualdades de rendimentos e heterogeneidade racial do que o nosso.
Os resultados mudam quando há mais variedade: em 2021, uma meta-análise a 294 artigos que examinam dados sobre idade subjetiva de todo o mundo descobriu que a discrepância entre idade cronológica e idade interna era maior nos Estados Unidos, Europa Ocidental e Austrália/Oceânia. A Ásia tinha uma discrepância mais baixa. A África tinha a menor discrepância, o que poderia ser lido como um sinal económico (a pobreza pode ser importante), mas também cultural: os idosos em sociedades coletivistas recebem mais respeito e têm um maior apoio da sua família alargada.
“Será que sentirmo-nos mais jovens é, na verdade, disfuncional e não nos ajuda a concentrar no que está a acontecer no momento? Essa é a questão mais complicada”, diz Hans-Werner Wahl (69 anos na vida real, 55 na cabeça), coautor da meta-análise. “Uma idade subjetiva menor pode ser preditiva de uma melhor saúde. Mas há outras populações em todo o mundo que não precisam de se sentir mais jovens. E não são menos saudáveis.”
Essa parece ser a conclusão de Becca Levy, professora de Epidemiologia e Psicologia da Escola de Saúde Pública de Yale. Quando era uma jovem estudante de pós-graduação foi ao Japão e reparou que não só as pessoas viviam mais tempo como a sua atitude em relação ao envelhecimento era mais positiva — e, desde então, as suas décadas de investigação mostraram uma ligação muito convincente entre os dois. Na introdução do seu livro, “Breaking the Age Code”, descreve bancas de jornais em Tóquio repletas de livros manga com histórias sobre pessoas mais velhas que se apaixonam. Fala sobre andar por Tóquio no Keiro No Hi, ou Dia de Respeito pelos Idosos, e ver pessoas com 70 e 80 anos a levantar pesos no parque. Fala sobre aulas de música cheias de jovens de 75 anos a aprender a tocar guitarra elétrica.
À primeira vista, o tema da tese de Levy pode parecer entrar em conflito com a literatura sobre idade subjetiva. Mas talvez seja um complemento. O que sustenta ambas é um sentimento duradouro de agência (sentimento de controlo): se mentalmente nos vemos mais jovens, se acreditamos que temos alguma importância, ainda nos sentimos úteis; se acreditamos que o envelhecimento em si é valioso, um bem adicional, então também nos sentimos úteis. Num mundo melhor, as pessoas mais velhas sentir-se-iam mais valorizadas, certamente. Mas, mesmo agora, muitos de nós parecemos capazes de combinar as duas ideias, fundindo a aceitação da nossa idade com um sentimento de esperança. Ao ler os muitos questionários da “Oldster Magazine” fiquei impressionada com a quantidade de pessoas que disse que a sua idade atual era a sua favorita. Um número tranquilizador de inquiridos não queria trocar a sua sabedoria arduamente conquistada — ou humildade, ou autoaceitação, ou o que quer que tivessem acumulado ao longo do caminho — por algum momento anterior.
Recentemente, escrevi a Margaret Atwood perguntando-lhe quantos anos ela tem na sua cabeça. Nas poucas interações que tivemos, pareceu-me bastante otimista em relação ao envelhecimento. A resposta dela foi esta: “Aos 53 anos preocupamo-nos em ser velho em comparação com pessoas mais jovens. Aos 83 aproveitamos o momento, e o tempo anda para a frente e para trás nas últimas oito décadas. Não nos preocupamos se parecemos velhos, porque, na verdade, somos realmente velhos! Fazemos piadas sobre velhos com os nossos amigos. Em alguns aspetos, divertimo-nos mais do que quando tínhamos 53 anos. Espere e verá! :)”
Tradução Joana Henriques
Copyright 2023 The Atlantic Monthly Group
Revista E, Expresso, Semanário#2644, 30 de junho de 2023
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