A notícia de que uma atriz foi ameaçada de morte por um “coach” cujos vídeos têm conteúdo misógino foi bastante difundida nas últimas semanas, ganhando manchetes em portais e reportagens especiais em programas como o Fantástico e veículos como o site da Marie Claire. “Tem 24h para retirar o seu conteúdo sobre mim. Depois disso processo ou bala. Você escolhe”, dizia a mensagem para a humorista, que tinha feito uma paródia dos vídeos em que ele desqualifica comportamentos femininos.
Dias antes da ameaça, o conteúdo produzido pelo influenciador tinha viralizado em diversas plataformas digitais, o que impulsionou comentários a condenar o teor machista do seu discurso e sátiras como as da atriz que fora por ele intimidada. Contudo, o perfil do “coach”, que conta com mais de 300 mil seguidores apenas no Instagram, é apenas uma das peças do ecossistema masculinista presente na internet, nomeado de diferentes formas (como manosphere, cuja tradução seria “machosfera”) e composto por grupos específicos espalhados pelo mundo todo. O objetivo, porém, é sempre o mesmo: difundir a objetificação e a submissão das mulheres e reforçar a virilidade e o domínio masculino, variando entre menores ou maiores graus de misoginia e distorcendo o conceito de liberdade de expressão para o usar como escudo.
O ponto-chave é justamente esse: dificilmente um desses perfis fará campanhas explícitas de agressão contra mulheres, com posts incentivando a violência doméstica, por exemplo – mesmo porque esse tipo de mensagem infringe as regras da maior parte das redes sociais. O tom utilizado não contém necessariamente expressões escatológicas e obscenas, mas usufrui de narrativas conservadoras que se focam, por exemplo, numa espécie de “resgate da autoestima” masculina num mundo que estaria a “ruir” por conta do avanço do movimento feminista.
Muitos homens não interpretam tudo isso como discurso de ódio, especialmente os mais novos, e utilizam esses conteúdos como se não fossem extremamente nocivos. E é justamente o público adolescente a isca mais fácil para esses influenciadores – não à toa, os chamados “incels” (abreviação de “involuntary celibates” – celibatários involuntários em inglês) interagem assiduamente com as postagens de figuras como o “coach” que abre este texto e lotam fóruns de discussão com memes e textos misóginos.
Solucionar um problema dessa dimensão e complexidade passa, necessariamente, por educarmos os meninos e adolescentes em termos de literacia de género dentro e fora do âmbito familiar. Isto posto, é a escola, espaço de diversidade por definição, que guarda o potencial para que os meninos tenham contacto com conceitos e discursos que desconstruam essas diferenças estruturais para que, futuramente, eles não reproduzam essas iniquidades. E este é um caminho que, apesar de apropriado e justo, enfrenta resistência de diversos segmentos da sociedade que, desde o debate sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), partiram numa empreitada conservadora contra toda e qualquer expressão que leve a palavra “género”.
Portanto, é preciso que haja um comprometimento das redes de ensino e os seus respetivos gestores para que as equipas pedagógicas das escolas desenvolvam atividades e projetos interdisciplinares para discutir representação e representatividade femininas, destacando o papel de mulheres em diversas lutas históricas, obras artísticas e literárias e descobertas científicas, sem esquecer o combate à desinformação sobre o movimento feminista e as suas pautas e conquistas.
Sem perceberem como o discurso masculinista desses perfis digitais recria e retroalimenta desigualdades e violências de género e sem aprofundarmos esse debate em direção a uma educação mediática voltada para a defesa da diversidade, teremos pouquíssimas mudanças nas próximas gerações de homens adultos – e continuaremos a chocar-nos com as falas de “coaches” machistas que viralizam de vez em quando, fazendo-nos levantar as mesmas pautas todos os dias 8 de março.
Como a internet amplifica a misoginia entre os jovens | Educamídia. (2019). Retrieved 7 April 2023, from https://educamidia.org.br/como-a-internet-amplifica-a-misoginia-entre-os-jovens/
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