sábado, 4 de janeiro de 2020

Cyberbullying: o que a escola pode fazer para o evitar?




Por Mariana Mandelli e Isabella Galante



Imagine que é uma aluna do ensino básico, no processo de descoberta da sexualidade, e que fotos íntimas suas, tiradas sem a sua permissão, foram divuldas na internet....



Imagem: Pixabay




Imagine que é uma aluna do ensino básico, no processo de descoberta da sexualidade, e que fotos íntimas suas, tiradas sem a sua permissão, chegaram à internet. Pouco tempo depois, os seus amigos, conhecidos e familiares recebem as imagens. No dia seguinte, só se fala nisso na escola. Por onde quer que ande, é motivo de agressões verbais, mesmo durante o período de aulas, com os professores presentes na sala. 

Em casa, a sensação de estar livre das humilhações e chacotas não dura muito: ao aceder às suas redes sociais, encontra centenas de comentários violentos e montagens pornográficas que usam o seu corpo e rosto. O seu telemóvel não para. Mensagens ameaçadoras de todos os tipos chegam sem parar, inclusive de números desconhecidos. Mesmo bloqueando esses contactos, outros surgem, o que transforma a situação numa verdadeira campanha de difamação, em que colegas e amigos se afastam de si, minando os seus vínculos sociais. Você está sozinha.

O roteiro descrito acima é trágico, mas não completamente inventado: é um breve resumo do que aconteceu com Amanda Todd, uma canadense de 15 anos que se suicidou em 2012, após um grave processo depressivo motivado pela exposição que sofreu na web. Mesmo com o apoio dos pais, que chegaram a mudá-la de escola para evitar os ataques, a jovem não resistiu aos efeitos da perseguição que sofreu durante anos. 

A sua história talvez seja o caso mais famoso do tipo mundo afora, já que provocou uma onda de discussões no Canadá, envolvendo famílias, sistema de ensino e governo, especialmente depois da descoberta de um vídeo gravado pela jovem e publicado na internet, em que ela contava a sua história por meio de uma sequência de cartazes. Contudo, Amanda não foi a primeira nem a última vítima dessa forma de violência sistemática, própria do mundo digital, que objetiva destruir reputações. Há casos pelo mundo inteiro. O suicídio da também canadense Rehtaeh Parsons, morta em 2013, aos 17 anos, deu-se em circunstâncias parecidas. 

A isso dá-se o nome de cyberbullying, um assédio virtual praticado contra uma pessoa por meio de plataformas online. Ou seja: é o mesmo que bullying, definido como prática de intimidação entre pares, mas de forma ilimitada, uma vez que a suposta liberdade e a falta de vigilância da web permitem o anonimato e uma grande diversidade de conteúdos ofensivos criados pelo agressor (também conhecido como cyberbully). 

A diferença mais cruel entre o bullying e o cyberbullying é precisamente a não exigência de tempo e espaço do segundo para acontecer. As ofensas ultrapassam o período de aulas e os muros da escola, acontecendo o tempo inteiro, sem cessar.

A humilhação surge por meio de comentários maldosos, memes absurdos, postagens maliciosas, criação de fakes e uso indiscriminado da imagem do alvo, com um aumento inestimável do público que está a presenciar a hostilidade. Nas redes sociais, a escala da violência é, portanto, infinitamente maior. 

Os dados mostram que vivemos uma epidemia global de cyberbullying. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), mais de um terço dos jovens afirmam ser vítimas dessa prática. O levantamento, que considera 30 países, ainda mostra que um em cada cinco desses estudantes deixou de ir à escola justamente por sofrer violência virtual dos colegas.

No Brasil, de acordo com o mesmo estudo lançado neste ano, 37% dos adolescentes disseram ter sofrido cyberbullying, sendo que 36% desses afirmaram ter parado de frequentar as aulas depois dos ataques virtuais.

Outra pesquisa, realizada pela Ipsos em 2018, colocou o País no segundo lugar do ranking das nações onde esse tipo de agressão acontece repetidamente. Os números mostram que, enquanto 30% das famílias brasileiras relatam esses casos, a média dos 28 países participantes da pesquisa é de 17%.

Apesar de haver uma política nacional contra o bullying desde 2015, quando a lei 13.185 instituiu o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, obrigando as instituições de ensino a assegurarem iniciativas de conscientização, prevenção e combate, o problema permanece e afeta gravemente o processo de aprendizagem e a saúde mental de crianças e jovens.

No caso específico do cyberbullying, esse é um tema inseparável do ambiente académico porque envolve diretamente a comunidade escolar. Se no bullying as crianças e jovens que riem das maldades também são corresponsáveis, mesmo que não tenham iniciado as humilhações, nas redes sociais quem gosta ou partilha esses conteúdos também tem culpa na onda de agressões.

Tal consciência pode ser incentivada nos alunos por meio de atividades que estimulem o envolvimento deles com o tema, partindo sempre da ideia de que noções de educação mediática e uso seguro das redes devem constar de modo perene no currículo escolar [como exige o Perfil do Aluno]. Apresentam-se, de seguida, algumas sugestões práticas:

  • Rodas de conversa, em que as crianças e jovens consigam partilhar situações nas quais se sentiram intimidados por colegas na internet;
  • Estímulo a atividades de mediação de conflitos, prática adotada em muitas redes de ensino, mas com o foco nas plataformas sociais;
  • Criação de campanhas de consciencialização contra o cyberbullying, com textos de media produzidos pelos alunos para serem partilhadas nas redes, estimulando o uso saudável do espaço outrora utilizado para ofender;
  • Debates impulsionados pela pesquisa de casos reais de bullying virtual, como o de Amanda Todd, fazendo com que os alunos se identifiquem com as vítimas e criem empatia;
  • Realização de oficinas de memes que invertam a lógica do cyberbullying: ao invés de humilhar o colega, os alunos devem produzir conteúdos que destaquem qualidades que admiram nos seus pares.


O combate ao cyberbullying é uma questão de cidadania digital em prol da cultura de paz, e os educadores precisam de desempenhar um papel conciliador e esclarecedor nesse sentido, formando cidadãos empáticos e conscientes das suas ações no mundo online e offline.




Referência:
Mariana Mandelli e Isabella Galante. Cyberbullying: o que a escola pode fazer para evitá-lo? 19 de dezembro 2019, in Educamídia. Disponível em: https://educamidia.org.br/cyberbullying-o-que-a-escola-pode-fazer-para-evita-lo. Consultado em: 4 de janeiro de 2020.

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