segunda-feira, 12 de junho de 2023

A utilidade da imagem

 


Militares portugueses na Guiné



E

ste livro resulta de um projeto de investigação que incluiu uma exposição na Biblioteca Nacional e um colóquio internacional, ambos em 2019. Publicado originalmente no final de 2021 em versão bilingue (português/inglês) por esta editora espanhola especializada em fotografia e cultura visual contemporânea, teve algumas recensões no início do ano passado, mas durante o verão ganhou destaque entre as publicações apresentadas nos Encontros de Fotografia de Arles. Com esse vento a seu favor, foi relançado no último outono e disponibilizado em plataformas de comércio digital.

A breve introdução assinada pela coordenadora do projeto, Filomena Serra, descreve as origens e as etapas do mesmo, que envolveu diversas unidades de investigação — sobretudo ligadas à Nova/FCSH, ao ISCTE e à FBAUL — e procurou rever analiticamente a época compreendida entre 1934 (ano do início de atividade do Secretariado da Propaganda Nacional, criado em 26 de outubro de 1933) e 1974, o último ano do regime. Um leque alargado de investigadores analisa, assim, 50 publicações selecionadas entre o fundo documental do Secretariado Nacional de Informação (SNI, que sucedeu ao SNP) conservado na Biblioteca Nacional, e repartidas em quatro núcleos: ‘Representações Performativas’, ‘Realizações Materiais’, ‘Retóricas do Corpo’, e ‘Contra-Discursos e Contra-Imagens’, pois a exploração da “fotografia impressa, enquanto género documental, foi relevante tanto na propaganda oficial como em discursos de oposição ao regime”.

Dadas as significativas reduções a que foram constrangidas a maioria das reproduções visuais, com resultados díspares, o livro vale menos como objeto decorativo para a mesa da sala do que como agregado de um significativo corpo de conhecimentos sobre evolução da imagem ao longo do século XX — particularmente a da imagem fotográfica. Na verdade, é um livro sobre fotografia onde a propaganda é evocada como cenário de fundo, noção relativamente indefinida, pressuposto.

Mas não inteiramente indefinida, porém. Lê-se com grande proveito o capítulo “A Fotografia Impressa e a Propaganda no Estado Novo”, por Filomena Serra, Paula André e Manuel Villaverde Cabral, onde a secção intitulada “A Fotografia num tempo de transição” situa o bem o contexto da Primeira Guerra Mundial, quando “os países beligerantes tomaram consciência dos desafios que as imagens ofereciam e da sua capacidade de difusão e influência ideológica na opinião pública” e assim “cada Estado criou a sua agência fotográfica responsável pela produção e fornecimento de imagens aos jornais e editoras nacionais e estrangeiras. Implementou-se um sistema de censura; controlaram-se as imagens transmitidas pelas agências noticiosas e as publicadas pelos jornais; e desenvolveu-se um sistema de acreditação de correspondentes de guerra encarregados das reportagens no campo de batalha, proibindo os soldados de possuírem câmaras nessa zona”.

No nosso país criou-se o Serviço Fotográfico e a Secção Cinematográfica do Corpo Expedicionário do Exército, e foram nomeados como coordenadores da propaganda de guerra o pintor Sousa Lopes e Arnaldo Garcez, sendo este último o fotógrafo oficial e exclusivo em França. Mais tarde esses serviços serão unificados e criada a primeira estrutura governamental especificamente vocacionada para a propaganda externa, que após a guerra subsistiria até ao advento do Estado Novo e à criação do SNP, liderado por António Ferro.



Jorge Pereirinha Pires, Revista-E, Expresso Semanário#2641, de 9 de junho de 2023









FOTOGRAFIA IMPRESSA E PROPAGANDA EM PORTUGAL NO ESTADO NOVOFilomena Serra (org.)
Muga, 2022, 400 págs.








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