segunda-feira, 31 de outubro de 2022

José Carlos Barros, um escritor transmontano

 


José Carlos Barros, que nasceu em Boticas, no distrito de Vila Real, em 1963, é autor de vários livros de poesia (premiado duas vezes com o Prémio Nacional de Poesia Sebastião da Gama) e também de dois romances anteriores. Andou anos às voltas com este, As Pessoas Invisíveis.

Tudo começou numa viagem que fez a São Tomé e Príncipe, nos anos 2013/14. Na Bienal de Arte, viu uns cartazes que pertenciam à Fundação Mário Soares sobre o “massacre de Batepá” (da expressão portuguesa Bate-Pá), cometido pelo Estado português a 3 de fevereiro de 1953. Foi este “o gatilho” para este livro vencedor do prémio LeYa 2021.

“Foi uma coisa que mexeu muito comigo e me sobressaltou”, conta ao Público José Carlos Barros durante uma conversa telefónica. “Eu não quis escrever um romance sobre o massacre, quis sobretudo que esses acontecimentos pudessem ser uma metáfora para uma reflexão sobre o poder e sobre as pessoas invisíveis. Porque num certo sentido, o massacre de Batepá, pelo menos li-o assim, é uma espécie de estertor da parte final do processo de escravatura em Portugal.”

A escravatura, embora tivesse sido oficialmente abolida há muitas décadas, continuou sob várias formas, através do contrato ou da compulsão ao trabalho, lembra o autor que é licenciado em arquitetura paisagista, foi diretor do Parque Natural da Ria Formosa, e durante quatro anos deputado do PSD e relator do Grupo de Trabalho para a Avaliação do Impacto da Aplicação do Acordo Ortográfico de 1990.​ “Em 1953, com uma espécie de imposição de trabalho forçado aos chamados ‘filhos da terra’, aos forros de São Tomé, houve estes acontecimentos trágicos que estão relatados historicamente”, acrescenta.

Foi a partir deste episódio histórico que o escritor começou a pensar este seu livro. E com ele procurou “refletir sobre pessoas que não têm identidade, não têm rosto, não têm visibilidade”. Por outro lado, quis que isso fosse também “um pretexto para falar dos poderes que são a outra face dessa invisibilidade”.

Não pretendeu contar uma história com uma cronologia “muito certinha” por achar que “não é assim que o mundo acontece”: “O tempo expande-se e comprime-se de maneiras diferentes, conforme as épocas e os acontecimentos. E há coisas que ganham uma grande relevância nas nossas vidas, e outras não.” Neste romance, em que há “um deambular” para alguns anos antes e uns anos depois deste acontecimento, procurou ligar tudo num arco temporal alargado de 50 anos, entre alguns acontecimentos da guerra civil espanhola dos anos 30 e até ao pós-25 de Abril.

“Este livro destaca-se sobretudo por escapar a muitas coisas, é um livro que não é óbvio. Será um falso romance histórico, cruza vários tempos através de uma personagem-âncora, Xavier, que conhecemos no início dos anos 40 quando os alemães estão em Portugal e descobrem minas de ouro num lugar remoto do país. É aí que vive esse Xavier e a população acha que ele tem dons de cura”, conta a jornalista Isabel Lucas, colaboradora do PÚBLICO, e porta-voz do júri do Prémio LeYa, presidido pelo poeta Manuel Alegre. [...] 

“Não é um romance pícaro, não é pitoresco, não é um romance histórico: é um romance que parece escapar a classificações, e que é intemporal apesar de falar de um tempo, sobretudo na forma como está estruturado e no trabalho da linguagem”, acrescenta a crítica literária.

Por sua vez, José Carlos Barros explica ao Público que a personagem principal de As Pessoas Invisíveis tem um carácter ambíguo porque é complexo. “Nunca sabemos se está do lado dos bons ou dos maus. Pode ter os melhores sentimentos em determinadas alturas e perante certos acontecimentos, e ser um facínora noutras, e isso também é propositado.”

Não foi esta a primeira vez que o agora vencedor do Prémio LeYa concorreu a este ou a outros prémios. Ainda a refazer-se da surpresa da notícia, José Carlos Barros explica ao Público que concorreu sempre a prémios porque, para quem vive na província como ele sempre viveu, “é praticamente a única maneira de se chegar a algum lado.” Vence prémios desde que andava no liceu em Chaves, quando foi para Évora ou viveu na Zambujeira do Mar. Atualmente vive numa zona rural, em Cacela, no Algarve. “Vivo no campo, não tenho contacto com o chamado mundo literário, embora com o tempo se vá conhecendo pessoas, obviamente”, conta. Pensou sempre: “Bem, tenho aqui um original, deixa-me enviar para qualquer lado.”

https://www.publico.pt/2021/12/07/culturaipsilon/noticia/jose-carlos-barros-vence-premio-leya-pessoas-invisiveis-1987686


Consulte aqui o blogue do escritor.

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