sábado, 18 de julho de 2020

+Leitur@s | Os cimentos do tempo, de José Viale Moutinho



Recensão crítica, por Pedro Mexia







Os Cimentos da Noite reúne quase todos os poemas que José Viale Moutinho pretende preservar de vinte e tantos títulos publicados entre 1975 (Atento Como Um Lobo) e 2018 (A Pessoa Indicada), muitos em pequenas chancelas, acrescidos agora de dispersos e inéditos. 

A melhor introdução a esta poesia continua a ser a antologia Sombra de Cavaleiro Andante (2004), mas Os Cimentos da Noite tem a vantagem de reforçar uma ideia de consistência. Desde logo, formal: poemas bem medidos, decantados, sóbrios, eufónicos, hábeis em “concreções experienciais” (Vasco Graça Moura), quer dizer, em amálgamas do biográfico com o não-biográfico, da citação culta com o coloquialismo, da melancolia com o sarcasmo. Do primeiro ao último conjunto de poemas, notamos as constantes temáticas: o bucolismo intranquilo que rememora terras e gentes de um país antigo; a evocação de lugares saudosos ou sofridos (Almendra, o Porto, o Funchal); os diálogos com a pintura portuguesa; as homenagens ou elegias (de Júlio Resende a Manuel António Pina, de Óscar Lopes a Ângelo de Sousa); as revisitações do universo dramático de Camilo; os amigos castelhanos e galegos; ou a consciência daquilo a que um livro de 1985 chama “o rude tempo”. 

Por volta de 2001, com Poemas Tristes, e depois num livro maior como Anjos Cobertos de Pó (2013), vai-se impondo um quotidiano disfórico, com o poeta no café a ler os jornais e a lamentar a morte dos outros, o envelhecimento, os males da pátria. É já “demasiado tarde para esquecer”, e Viale escreve sobre “o adiantado da hora”, sobre a velhice como “janela das traseiras”, sobre as fidelidades de sempre e as indignidades da idade. 

Do primeiro ao último livro, mantêm-se ainda dois hábitos formais e como que programáticos: os pontos de interrogação, para marcar o pouco que sabemos; e os poemas que acabam numa vírgula, indicando que um texto, mesmo quando acaba, continua.

Pedro Mexia. E-Expresso Revista. Edição 2488, de 4 de julho de 2020


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