quinta-feira, 2 de maio de 2019

Maio de Minha Mãe








O primeiro de Maio de minha Mãe 
Não era social, mas de favas e giestas. 
Uma cadeira de pau, flor dos dedos do Avô 
— Polimento, esquadria, engrade, olhá-la ao longe — 
Dava assento a Florália, o meu primeiro amor. 

Já não se usa poesia descritiva, 
Mas como hei-de falar da Maromba de Maio 
Ou, se era macho, do litro de vinho na sua mão? 
O primeiro de Maio nas Ilhas, morno como uma rosa, 
Algodoado de cúmulos, lento no mar e rapioqueiro 
Como Baco em Camões, 
Límpido de azeviche 
E, afinal de contas, do ponto de vista proletário, 
Mais de mãos na algibeira do que Lenine em Zurich. 
(Porque foi por esta época: eu é que não sabia!) 

A minha Maromba tinha barriga de palha como as massas 
E a foice roçadoira da erva das cabras do Ribeiro 
Que se pegou, esquecida, no banco do martelo de meu Avô 
Cujas quedas iguais, gravíficas, profundas 

Muito prego em cunhal deixaram, 
Muita madeira emalhetaram, 
Muita estrela atraíram ao bico da foice do Ribeiro 
Nas noites de luar em que roçava erva às cabras. 
Favas de Maio do meu tempo! 
Havia poder popular 
Nas mãos de minha mãe, que as descascava como flores 
E flores eram de si, na flórea abada 
Como se já guardassem flor de laranjeira e açaflor 
Nas suas intenções de Maio 1918, para as depor 
(Nem pensada sequer) na fronte à minha amada. 

Vitorino Nemésio, in Antologia Poética 


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