quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Leituras reescritas


Na área de exposições da Biblioteca











“Vivi, olhei, li, senti, Que faz aí o ler, Lendo, fica-se a saber quase tudo, Eu também leio, Algo portanto saberás, Agora já não estou certa, Terás então de ler doutra maneira, Como, Não serve a mesma para todos, cada um inventa a sua, a que lhe for própria, há quem leve a vida inteira a ler sem nunca ter conseguido ir mais além da leitura, ficam pegados às página, não percebem que as palavras são apenas pedras postas a atravessar a corrente de um rio, se estão ali é para que possamos chegar à outra margem, a outra margem é que importa, A não ser, A não ser, quê, A não ser que esses tais rios não tenham duas margens, mas muitas, que cada pessoa que lê seja, ele, a sua própria margem, que seja sua, e apenas sua, a margem a que terá que chegar…” 

José Saramago, A Caverna



A tristeza lusitana

A tristeza lusitana
Embala-a o choro do mar
E às vezes tem um sorriso
Irmão-gémeo de chorar.

Tristeza antiga
Tristeza amiga
Do nosso luar.

Tristeza de Portugal
Baixo e terno soluçar
A tristeza que é só nossa

Tristeza nossa
Nem por flores, nem riquezas,
Nem por prendas sem igual
Ninguém trocar-te quisera
Tristeza de Portugal

Nossa somente
Doce mal
Só de quem sente
Mais suavemente
Que outro qualquer.

Tristeza como a tristeza
D’algum leve passarinho
Que chora co’o coração
E aos pobres diz «coitadinho»

Tristeza imensa
Terna e intensa
Do Algarve ao Minho.

Tem saudade, e saudades
Só as sente e mais ninguém
Quem tem aquela palavra
Para dizer que as tem

O povo de Portugal
Doa ou não ao seu mal
Só ele o conhece bem.

Ó mar que morres na praia
Acasos mortos no mar
Talvez que cantar cuideis
A alma do nosso penar.

Não sabeis, não o sentistes
Lágrimas, dores e tristezas
Só nós sabemos chorar,

A tristeza lusitana
Ninguém fala nela, não
Senão nós □ que a sentimos
Em lugar do coração.

O nosso amor
O nosso ardor
Tristeza são.

Fernando Pessoa, Poesia 1931-1935 e não datada , Assírio & Alvim, ed. Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas, Madalena Dine, 2006



Eis-me 

Tendo-me despido de todos os meus mantos 
Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses 
Para ficar sozinha ante o silêncio 
Ante o silêncio e o esplendor da tua face 

Mas tu és de todos os ausentes o ausente 
Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca 
O meu coração desce as escadas do tempo 
[em que não moras 

E o teu encontro 
São planícies e planícies de silêncio 

Escura é a noite 
Escura e transparente 
Mas o teu rosto está para além do tempo opaco 
E eu não habito os jardins do teu silêncio 
Porque tu és de todos os ausentes o ausente 

Sophia de Mello Breyner Andresen, Livro Sexto 




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