domingo, 16 de fevereiro de 2025

Meio ano de amor entre Friedrich Hölderlin e Susette Gontard

 

 

 Johann Christian Friedrich Hölderlin. Wikimedia Commons 

Todos os movimentos românticos, antes e depois do Romantismo, idolatraram o amor-ideia (tanto quanto o amor-sentimento) e a mulher idealizada (mais conceito poético do que figura empírica). Mas quando lemos as cartas de Friedrich Hölderlin e Susette Gontard encontramos a peça que faltava, depois das Beatrizes e Lauras que pouco ou nenhum contacto tiveram com os poetas que as celebraram. Susette não se limitou a corresponder-se com Hölderlin, correspondeu-lhe.

 
 

SOSSEGA ESTE CORAÇÃO — CARTAS DE AMOR
Susette Gontard e Friedrich Hölderlin
Assírio & Alvim, 2025, trad. de Maria Teresa Dias Furtado,136 págs.
Cartas


Em 1796, em Frankfurt, o poeta iniciara funções de tutor do filho do casal Gontard, o marido um banqueiro, o casamento mais negócio do que amor. O convívio próximo com Susette deu azo a um caso amoroso. Mas no Verão de 1798 o idílio acabaria, talvez quando o banqueiro Gontard descobriu ou desconfiou. Começou então a furtiva troca de cartas. Sobreviveram 17 dela e 4 rascunhos dele.

“Perdoar-me-ás a minha linguagem pobre”, escreve Susette, quando a linguagem dela é na verdade melancólica e exaltada nos sentimentos e anseios: “Dói-me indescritivelmente não poder dizer-te pessoalmente quanto te amo”, “guarda-me no teu amor para sempre”, “estamos juntos onde quer que estejamos e em breve espero voltar a ver-te”. Se existe uma incomensurabilidade entre o amor e o ‘poema de amor’, eles procedem como se não fossem assim. E quando Susette fala da felicidade “tal como nós o entendemos”, isso significa que até a obra de Hölderlin é, a vários títulos, obra deles os dois.

Sobre esse amor afirma o hiperbólico poeta: “Poder-se-ia percorrer o mundo e muito dificilmente se encontraria de novo algo assim.” Susette conhece bem os acasos e a necessidade, os enigmas e obstáculos (e as cartas incluem detalhadas e divertidas instruções para encontros ou avistamentos ilícitos). Em Hölderlin, ela identificou “um espírito elevado e pleno de energias nobres”, dotado de um “sentimento profundo”. “Há poucas pessoas como tu”, admite, e acrescenta que não quer que a “imagem” dela seja um “estorvo” para ele, mas que lhe permita cumprir um destino. E o destino é a poesia: “O teu amor honra-me o suficiente e bastar-me-á sempre e não exijo aquilo a que as pessoas chamam honra.”

Susette Gontard morreu em 1802, de rubéola. Friedrich Hölderlin “enlouqueceu” cinco anos depois, e habitou mansamente durante quase quatro décadas uma torre em Tubinga. O amor deles fracassou? Ou, como Hölderlin terá dito, meio ano de amor já é muito? Importa o que ficou: a correspondência, os poemas a Diotima, o romance “Hipérion” e a lucidez da musa que escreveu: “É melhor ser uma vítima do amor do que viver sem ele.”

Pedro Mexia, E-Revista, Semanário Expresso, 14 de fevereiro de 2025


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