A jornalista Annie Jacobsen, especialista em assuntos de segurança, realizou para este livro centenas de entrevistas ao longo de uma década
Em “Guerra Nuclear — Um Cenário”, a jornalista Annie Jacobsen cria uma ficção, com base em centenas de entrevistas ao longo de dez anos e em vias de se transformar num filme, sobre a realidade de uma detonação nuclear.
Ao abordar “Guerra Nuclear — Um Cenário”, um leitor desprevenido pode ter a sensação de que está de regresso a 60 ou 70 anos atrás, no auge da Guerra Fria, quando a paranoia relativamente à destruição do mundo era generalizada, nos EUA e não só, com exercícios regulares de manobras de refúgio nas escolas e um mercado florescente para abrigos nucleares. Estamos a voltar a isso? Bom, pelos vistos, sim, dado o aumento de países com armas nucleares — nove, pela última contagem — e as ameaças frequentes de as utilizar que nos chegam de ditadores como o russo Vladimir Putin e o norte-coreano Kim Jong-un.
GUERRA NUCLEAR — UM CENÁRIO
Annie Jacobsen
D. Quixote, 2025, trad. de Miguel Freitas da Costa, 410 págs.
Romance
Mas não se pode dizer que o alarme seja realmente muito grande. Parece que nos habituámos à ideia de que as armas nucleares existem, mas jamais vão ser usadas. De facto, não há razão nenhuma para pensar isso. Conforme lembra em “Guerra Nuclear — Um Cenário” a jornalista Annie Jacobsen, especialista em assuntos de segurança, o perigo é hoje tão grande como alguma vez foi. O livro abunda em estatísticas assombrosas: números de ogivas, força das possíveis detonações, temperaturas atingidas, percentagens de mortes, e, last but not least — na verdade, primeiro que tudo — os escassos segundos que a situação levaria a tornar-se irreversível se alguém lançasse um ICBM (Intercontinental Balistic Missil). Tal como Jacobsen o descreve, o processo até à extinção total levaria 72 minutos.
No cenário ficcional que Jacobsen desenha para explicar todo o sistema em pormenor, os lançamentos vêm da Coreia do Norte, em direção ao Pentágono e a outro local nos EUA. Sem contar demasiado (até porque vem aí um filme, para os interessados), refira-se que a falibilidade dos sistemas de deteção, em particular os russos, abrem a possibilidade de confusões catastróficas, tanto mais que os presidentes — são geralmente homens, com poder exclusivo, individual, nesses casos — têm poucos minutos para ordenar uma retaliação maciça para obliterar o seu presumível atacante. A quantidade de pormenores técnicos, obtidos em literatura do sector e em centenas de entrevistas ao longo de dez anos com altos responsáveis americanos (políticos, militares, cientistas), fazem deste livro uma obra de referência, ao mesmo tempo que a forma narrativa escolhida permite classificá-lo como obra de ficção, até certo ponto.
Para ser romance, falta-lhe o desenvolvimento de personagens e cenas. Alguém os há de fornecer no script que já estará em preparação, sem dúvida. Com sorte, mesmo nesta época de ditadores e pró-ditadores loucos, ainda estaremos cá todos para o ver no cinema.
FARIA, Luís M. E-Revista Expresso, 20 fevereiro 2025
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