
Língua universal, o amor expressa-se ao longo de todo o ano. São Valentim e Santo António são os mestres de cerimónias dos apaixonados portugueses, mas noutras paragens mandam outros padroeiros (e tradições)
É 14 de fevereiro e o calendário manda amar. Ou será o mercado? O dia é indissociável das ofertas de flores e bombons em quase todo o mundo. A tradição moderna tem raiz secular no grande protagonista da data que assinala o amor. Os escritos católicos relatam as histórias de três mártires de nome Valentim que faleceram a 14 de fevereiro. A história vigente é a de um padre do século III que foi decapitado, em Roma, por oficializar casamentos entre soldados e cristãos perseguidos durante o reino do imperador Cláudio II (há outra história que conta que Valentim devolveu a visão à filha do seu encarcerador).
Foi santificado pelo Papa Gelásio I a 14 de fevereiro de 496. A celebração cristã de dia 14 substituiu as celebrações pagãs da Lupercália, destinada à purificação e promoção da saúde e da fertilidade. É também conhecida por dies Februatus, que deu origem a Februarius — fevereiro. A Lupercália ainda é celebrada na África do Sul, no dia 15 de fevereiro. Entre as mulheres há a tradição de se exibir o nome dos seus amados num papel ou tecido preso à manga das suas roupas.
Por cá temos outro santo padroeiro do amor, nascido seis séculos depois de São Valentim. António de Pádua, frade franciscano, ficou conhecido pelo povo, entre outras qualidades, pelos seus dotes casamenteiros. É por isso que, desde 1958, se realizam os Casamentos de Santo António na véspera do feriado de 13 de junho. Interrompida em 1974 e retomada em 1997, a tradição já uniu 285 casais pela igreja e 130 por cerimónia civil. As candidaturas para as cerimónias de 2025 abrem precisamente no Dia dos Namorados e estendem-se até final de março. A 12 de junho, 16 casais terão a oportunidade de atar o nó na Sé de Lisboa ou no Salão Nobre dos Paços do Concelho, frente a milhares de pessoas, com a oferta de guarda-roupa, alianças, boda, despedidas de solteiro e lua de mel.
Para os galeses, a santidade que remete para a celebração do amor nasceu no século X e é uma história mais trágica do que romântica. Dwynwen é uma das 36 filhas de um rei irlandês que se opõe ao relacionamento da filha com um jovem do norte do País de Gales
É a devoção a Santo António, em parte, que faz com que o Dia dos Namorados no Brasil se celebre a 12 de junho, desde 1948. A outra parte é puramente comercial: terá sido ideia do publicitário João Doria, pai do ex-governador de São Paulo com o mesmo nome. A sua empresa foi desafiada pela Clipper, retalhista de roupa entretanto extinta, para motivar vendas no mês menos rentável do ano. A campanha fixou-se no dia 12, em homenagem ao santo casamenteiro, com o slogan: “Não é só com beijos que se prova o amor!” A celebração pegou e, segundo a BBC News Brasil, é o terceiro dia mais rentável no comércio brasileiro, depois do Natal e do Dia da Mãe. Também na Argentina uma campanha publicitária virou festa do romance. A “semana de la dulzura” surgiu em 1989 por iniciativa de uma empresa apoiada pela associação de distribuidores de guloseimas do país, com a premissa de “um doce por um beijo”. A campanha terá aumentado as vendas dessa semana em 20% e acabou por cimentar-se na cultura popular.
Para os galeses, a santidade que remete para a celebração do amor nasceu no século X e é uma história mais trágica do que romântica. Dwynwen é uma das 36 filhas de um rei irlandês que se opõe ao relacionamento da filha com um jovem do norte do País de Gales. O pretendente assedia Dwynwen quando esta nega casar-se; ela reza, ele petrifica e um anjo concede-lhe três desejos: a jovem liberta-se do namoro abusivo, nunca mais se casa e ganha a capacidade de ajudar casais em sofrimento. A 25 de janeiro, Dia de Santa Dwynwen, os galeses visitam a igreja de Llanddwyn, uma pequena península no sul da ilha onde a jovem terá vivido, e oferecem “colheres de amor”, utensílios artesanais de madeira esculpida, normalmente com símbolos alusivos.
Porque um dia não é suficiente, na Coreia do Sul e noutros países asiáticos celebram-se os 12 dias 14 do ano, cada um com o seu desígnio específico. Em fevereiro cumprem-se os ritos da tradição ocidental, com um traço distintivo: são as mulheres que oferecem chocolate aos homens. A 14 de março, no “Dia Branco”, os homens retribuem o presente, oferecendo às mulheres chocolate branco ou peças claras de lingerie. No mês seguinte, no “Dia Negro”, quem não recebeu prendas nos meses anteriores reúne-se em comiseração numa refeição de “noodles negros” banhados em molho de feijão. Ao longo do ano, celebram-se o Dia do Beijo, o Dia do Vinho ou o Dia do Abraço.
As diferentes celebrações do amor pelo mundo
O sétimo dia do sétimo mês do calendário chinês calha, este ano, no dia 29 de agosto. Será então celebrado o Festival Qixi na China e em Taiwan, com dois séculos de tradição e versões semelhantes noutros países como o Japão e o Vietname. As celebrações homenageiam a história de amor entre uma tecedeira e um vaqueiro e consistem em mostras de tecelagem, ofertas em devoção à deusa Zhinu e confeção de doces tradicionais. Hoje hão de ser encontradas apenas em zonas mais rurais, sendo que a maioria da população segue os gestos comerciais do Dia de São Valentim. Em Taiwan, é habitual oferecerem-se ramos de flores cujas cores e quantidades guardam significados específicos. 108 é o número mágico para um pedido de noivado.
Em Israel, tem-se retomado uma tradição de VI a.C. O Tu B’Av era uma cerimónia judaica em que as mulheres solteiras se vestiam de branco, sinalizando pretendentes. A tradição tem sido atualizada para os tempos modernos e representa o Dia dos Namorados judeu, no 15º dia do mês de Av do calendário judeu (entre julho e agosto).
De regresso à Europa: na República Checa, os casais visitam a estátua do poeta Karel Hynek Macha (viveu no século XIX e é talvez o equivalente checo de Camilo Castelo Branco), no parque de Petrin, uma das maiores zonas verdes de Praga. É no dia 1 de maio que se faz a romaria ao local, num bosque de cerejeiras debaixo do qual se diz que um beijo dá sorte à relação. Na Roménia, o amor celebra-se dez dias depois do 14 de fevereiro, para acolher a chegada da primavera. Os casais lavam o rosto na neve e colhem flores silvestres. É uma data popular para pedidos de casamento.
No país vizinho, os catalães festejam a Diada de Sant Jordi, ou Dia de São Jorge, a 23 de abril (data da morte do santo, em 303). A tradição do século XV dita que os homens devem oferecer uma rosa vermelha à amada, e a oferta literária em resposta terá surgido no início do século XX. Já os valencianos celebram São Dionísio, também considerado padroeiro do amor, a 9 de outubro — coincidindo com o dia da comunidade de Valência. As festividades têm como expressão mais doce a oferta da “mocaorà”, uma seleção de frutas e pequenas figuras confecionadas em maçapão, embrulhadas em lenços de seda e oferecidas às amadas.
Não é preciso estar-se numa relação romântica para celebrar estas efemérides. Na Estónia e na Finlândia, por exemplo, o dia 14 de fevereiro é dedicado à troca de prendas e afetos entre amigos. As tradições, que, mais ou menos antigas, hão de continuar a reinventar-se, mostram que o amor é sempre que uma pessoa quiser.
Inês Loureiro Pinto (texto), Carlos Esteves (infográfico), Cristiano Salgado (ilustração). E.Revista, Semanário Expresso, 14 de fevereiro de 2025