sábado, 14 de agosto de 2021

Manipular o tempo de férias

 


Relógio decorativo inspirado em Salvador Dali


NÃO PASSA MAIS RÁPIDO OU MAIS LENTO. ESTÁ ESTUDADO. UMA HORA É UMA HORA

S

abemos por intuição que o tempo não corre igual em todas as alturas do ano. No caso das férias temos mesmo a certeza de estarmos num daqueles momentos em que o tempo voa de tal forma que mesmo o “fazer nada” — como esplendor máximo do lazer — deve ser bem escolhido não vá ser um “fazer nada” mal empregue e desperdiçado. Há a ideia de que o tempo nas férias acelera indecentemente. Quando devia pelo menos ter o decoro de manter o mesmo passo arrastado de quando estamos numa reunião Zoom ou na sala de espera do dentista. Este é um sentimento que é de tal forma comum que se decidiu estudar se seria assim tão disseminado essa perceção, por exemplo, numa viagem de fim de semana.

Há nuances. O que se constata não é bem que o tempo voa nas férias. Mas sim que temos a sensação que ele irá voar nas férias e que se está a arrastar até lá. O que é diferente. Basta pensar num fim de semana algures. Sente-se que esse fim de semana vai acabar praticamente assim que comece. Ora, mais que não fosse essa perceção acaba por ter influência nos planos traçados: ao parecer que não irá ter tempo para nada pode acabar por se eliminar muitas atividades e optar apenas por marcar um jantar pipi para aproveitar o “pouco tempo” que irá ter. Lá estando comprova-se que afinal há mais tempo. E no limite não se vai a fins de semana porque dois dias “não dá para nada”.

As férias são daqueles fenómenos que as pessoas querem que aconteçam quanto antes e durem mais tempo. Há uma dupla ansiedade. E é possível estudar esse fenómeno dado que há outros eventos de características similares. E em que até há pessoas que os odeiam — pelo que a sua perceção do que duram ou de quanto tempo falta até acontecerem é distinta. Por exemplo, a noite de Natal. Há quem deteste a noite de Natal com a família. É com estes dois tipos de pessoas que é possível estudar esta capacidade de “encolher” ou “distender” o tempo. Quem abomina a noite de Natal parece-lhe que aquilo dura umas excruciantes dezenas de horas. Cito este, mas há uma panóplia de estudos que decidiram analisar e compreender esta questão da “expansão” do tempo quando nos estamos a divertir. Além do que referi — “Time Will Fly During Future Fun (But Drag Until Then)”, da Society for Consumer Psychology —, refiro um com o sugestivo título “The Hedonic Consequences of Subjective Time Progression” (Sage Journals) ou “When an Hour Feels Shorter” (“Journal of Consumer Research”). Não vou alargar-me nisto, mas só para citar o 2º estudo, as conclusões são as de que as pessoas estão convencidas de que existe um fator hedónico na progressão do tempo (acham que quanto mais divertidas mais rápido o tempo passa). Pelo que atribuem a perceção da velocidade do tempo ao facto de se terem divertido ou não. Ou seja, se ontem o tempo passou depressa então de certeza foi porque me diverti, embora na altura não me parecesse ter estado alegre. Mas passou tão rápido... então é porque me diverti. Torcido isto. Estou a exigir demasiado de mim a escrever isto — que estou quase de férias — e a alguns leitores — que já poderão eles mesmo estar refastelados na praia.

Há, pois, umas dicas para “manusear” a velocidade do tempo em situações de férias. Uma é baixar a ansiedade que elas cheguem, e assim virão à velocidade normal; outra é pensar independentemente quantos dias forem eles não se vão comprimir só para nos lixar. Não são um sopro que terminará assim que se abrirem as malas. É baixar a ansiedade. Outra, que não é a perceção da velocidade do tempo que determina se houve divertimento: lá porque ontem a noite pareceu que passou rápido não quer dizer que foi boa. Pode ter bebido shots a mais ou teve a capacidade de negar que estava num abominável tédio.

Estamos obcecados em dominar o nosso tempo de lazer. Há uns bons anos, com base num livro de uma feminista americana que estava na berra, escrevi um texto sobre “O que as mulheres verdadeiramente querem”. E não revelei nem no título nem no primeiro parágrafo. Para a autora, o que as mulheres queriam não tinha nada a ver com os homens descobrirem a existência de G spots, ou de darem gritos do Ipiranga, mas sim com terem “tempo”. Fui chamado de aldrabão. Ainda acho que tenho razão. As mulheres precisam de tempo. E de aprender a fazer nada com ele. Os homens sabem atingir o zero absoluto com facilidade. Raramente vejo uma mulher a exercer a nobre arte da não existência. Até inventaram o mindfullness para tentar. Pagam a um guru para não pensar. Mas aí há um “propósito”.

Há dias a imprensa portuguesa exultou com o título da ilha norueguesa que queria abolir o tempo. É nesta altura do ano que recebemos ciclicamente um ensinamento da ancestral arte de viver harmoniosamente dos nórdicos. Decidi ler o texto. São 300 habitantes de uma ilha perto do Círculo Polar que passa metade do ano em escuridão e metade do ano em plena luz. E acham que os relógios não fazem falta no verão. A questão é que para uma cidade que tem luz 24 horas por dia não faz sentido que não se possa cortar a relva às 4 da manhã. Claro que se torna desafiante imaginar o que acontecerá aos restaurantes ou aos check out de hotéis. É mais uma coisa gira. Chega-se à ilha e pendura-se os relógios. Viver uns dias num local onde o tempo “não existe”: até que se tem de apanhar o ferry de volta no horário certo ou fica-se mais uma semana preso naquele lugar no cu de Judas. A gritar que os dias nunca mais passam.

Luís Pedro Nunes. O mito lógico - Manipular o tempo de férias. In E-Revista Expresso, Semanário #2545, de 6 de agosto de 2021


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