“A volta ao mundo em 1572 versos em tom de feira-fim-de-milénio dos comportamentos mundanos: jogo impuro de estéticas que se cruzam com a imagem sublime de Calderón / José Bento [tradutor do texto do dramaturgo espanhol] que é matéria gostosa para os intérpretes que no-la dão a ouvir, forjando um hiato na nossa ansiedade de consumistas desatentos, tornando o teatro em caixa de ressonância da Palavra como prática primordial do Corpo do ator e do Teatro como seu território de culto.
Questionar o mundo dos homens através de um texto escrito há séculos por um escriba que caucionou na sua obra o Poder e fez da Religião o seu próprio estado não é tarefa bafienta de recuperação em detrimento do reportório contemporâneo. É do mesmo prazer desperto do jogo e dos sentidos que se trata: dar forma atualizada às referências, usar memórias e exotismos, gerir o tempo, degustar uma linguagem laboriosa, expor sem sustos a retórica da Vida e da Morte, testar até onde chega o poder que tem o Teatro enquanto convenção irrequieta e mutante no questionamento do(s) poder(es), construir ilusões que não fiquem à margem das nossas preocupações – e da vaidade de estarmos vivos sabendo que à escada espiralada da redenção faltam degraus que nos levem à mesa da eternidade. Entretanto, poderemos supor que sim, por via da fama:
“A festa fazer quero ao meu próprio poder”, diz o Autor. Amen!”
Texto de Nuno Carinhas (encenador da peça O Grande Teatro do Mundo, de Calderón de la Barca). Teatro Nacional de S. João, 1996.
Imagem: O Grande Teatro do Mundo. Teatro Nacional de S. João. 1996.
João Reis no papel de "Mundo".
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