segunda-feira, 27 de março de 2017

Memorial do Convento | Exposição


"Memorial do Convento – Era uma vez um rei devoto, um padre que queria voar, e uma mulher com poderes"

Palácio Nacional de Mafra | de 26 de março a 31 de maio | Entrada livre



“Comecei a ver o país todo como um gigantesco convento cujos limites nem sequer eram as fronteiras do que é hoje Portugal, porque se prolongavam por dentro das pessoas” – José Saramago




"Memorial do Convento. Nos trinta e cinco anos da publicação de Memorial do Convento, de José Saramago, constata-se que terá sido um dos romances mais importantes publicados em Portugal no último quartel do século XX. Não só havia de alterar radicalmente a vida pública do seu autor, dando-lhe uma notoriedade internacional, como igualmente alteraria o horizonte da literatura portuguesa, libertando o romance de espartilhos clássicos, abrindo-o a uma liberdade criativa, de natureza estética, daí em diante seguida por inúmeros autores.

Memorial do Convento ostenta uma diferença entre a representação social visível nos manuais da disciplina de História e a desconstrução da mesma, evidenciando uma profunda reinterpretação e reflexão sobre a sociedade, forçando a necessidade da inquirição do leitor sobre um outro sentido para a História, menos obediente às interpretações elitistas e mais às conceções populares.

Memorial do Convento é atravessado por uma onda de lirismo, de otimismo científico e estético que dificilmente encontra paralelo no romance português contemporâneo, para a qual a entrega à Arte (Scarlatti), à Ciência (Bartolomeu de Gusmão) e ao Maravilhoso (Blimunda) se evidenciam como alternativas credíveis na opção pelo sentido de vida.

Memorial do Convento é um dos romances de Saramago em que se coloca com grande nitidez a questão da nova complexidade do estatuto do narrador, elemento de profunda originalidade da obra deste escritor, um narrador simultaneamente individual e coletivo, histórico e atual, espécie de voz singular da consciência e de voz da História, numa palavra, de vox populi.

Memorial do Convento ostenta uma galeria de personagens maravilhosas, singularmente diferentes da normalidade social, que encanta a mentalidade doleitor, criando-lhe um otimismo existencial, uma vontade de enfrentar a vida como raramente se encontra no romance português, legando uma mensagem implícita, que repercute inconscientemente na mente do leitor: a necessidade de cada um construir a sua “passarola”, de possuir o seu “sonho” e de se ser diferente dos restantes para o cumprir.

Memorial do Convento caracteriza na figura de D. João V e da sua corte alguns dos males éticos de que padece a permanente elite portuguesa: a ostentação, a vaidade, o excesso, a ambição tola de imitação de modas estrangeiras, a indiferença para com o sofrimento das populações, a antiga repressão sobre a sexualidade do corpo feminino.

Memorial do Convento denuncia, em estilo irónico, sarcástico, até jocoso, o contexto sociopolítico megalómano dos costumes cortesãos do século XVIII e a mentalidade interesseira da corte, obviando a evidentes paralelismos com a atualidade.

Memorial do Convento expõe uma amplidão lexical como raramente se assiste no atual romance português, cruzando vocabulário erudito com popular, histórico com presente, abrindo então, em 1982, um novo horizonte no domínio plástico da língua.

Memorial do Convento enfatiza a necessidade de transgressão social para que a História progrida, enaltecendo a capacidade de ação comandada pelo sonho, pelo visionarismo, pela vontade de criação de um futuro diferente, no qual todos os homens sejam reis, e rainhas todas as mulheres. Finalmente, por todos estes motivos,
Memorial do Convento é um dos raros textos da literatura portuguesa que interpenetra de um modo admirável Vida e Literatura, Arte e Cidadania, Existência e Reflexão." 
Extrato do texto de abertura da exposição, da autoria de Miguel Real, publicado na edição de março de Blimunda, pp. 69-77. 





Em 2017 comemoram-se os 300 anos da colocação da primeira pedra para a construção do Palácio de Mafra e os 35 anos da publicação de Memorial do Convento. A exposição, organizada pela Câmara Municipal de Mafra em parceria com a Fundação José Saramago, tem curadoria de Filomena Oliveira e Miguel Real e projeto expositivo da Silvadesigners.

A exposição apresenta parte do espólio de José Saramago destinado à escrita do romance, bem como a ilustração deste através da obra pictórica de José Santa- Bárbara, em cujos quadros Saramago diz ter descoberto o rosto de Blimunda. De sublinhar que estilo presente em Memorial do Convento libertou a literatura portuguesa do registo tradicional de escrita e se prolongou na inspiração em outros registos estéticos, como o teatro, a pintura e a ópera.



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