A 25 de Abril de 2014, comemoraram-se os 40 anos do derrube dos 48 anos de ditadura fascista em Portugal.
"A liberdade só existe quando todos os nossos atos concordam com todo o nosso pensamento."
Agostinho da Silva
«QUEM A
TEM…»
Não
hei de morrer sem saber
qual a cor da liberdade.
Eu não posso senão ser
desta terra em que nasci.
Embora ao mundo pertença
e sempre a verdade vença,
qual será ser livre aqui,
não hei-de morrer sem saber.
Trocaram tudo em maldade,
é quase um crime viver.
Mas, embora escondam tudo
me queiram cego e mudo,
não hei de morrer sem saber
qual a cor da liberdade.
qual a cor da liberdade.
Eu não posso senão ser
desta terra em que nasci.
Embora ao mundo pertença
e sempre a verdade vença,
qual será ser livre aqui,
não hei-de morrer sem saber.
Trocaram tudo em maldade,
é quase um crime viver.
Mas, embora escondam tudo
me queiram cego e mudo,
não hei de morrer sem saber
qual a cor da liberdade.
Jorge de
Sena (1956)
Auto de proibição pela Censura no tempo do salazarismo Disponível em http://agualisa6.blogs.sapo.pt/196422.html |
Relatório de proibição, datado de 1967 e assinado por um Capitão com avença de leitor-censor, sobre o livro “A Mulher”, com tradução e edição brasileiras. O referido livro foi enviado pelos CTT para apreciação da Censura (como se vê, no Estado Novo, os Correios também desempenhavam função de vigilância e controlo) e mereceu o seguinte despacho do Capitão-Censor Borges Ferreira:
"É um livro científico, que todas as mulheres deviam ler, mas, para isso, devia ser tirado o capítulo XXXVII. É este capítulo que, a meu ver, estraga o livro e o torna impróprio de entrar nas nossas casas.
Sou, portanto, de parecer, salvo melhor opinião, que o livro deve ser proibido de circular.”
SONETO AO SENHOR CORREIO
Senhor Correio, Senhor Dom Correio,
por favor, por favor, Vossa Excelência
não abra as minhas cartas porque é feio
e tudo o que for feio falta à decência.
Eu leio as suas cartas? Não, não leio.
Se suas cartas lesse era demência.
Senhor Correio, veja se há um meio
de ter um pouco menos de inclemência.
Porque enfim o que escrevo a mim o devo,
Senhor Correio, é meu tudo o que escrevo,
e a tinta expressando as minhas falas.
É qualquer coisa mais que intimidade.
Senhor Correio, sabe que é verdade,
violar minhas cartas é matá-las.
Senhor Correio, Senhor Dom Correio,
por favor, por favor, Vossa Excelência
não abra as minhas cartas porque é feio
e tudo o que for feio falta à decência.
Eu leio as suas cartas? Não, não leio.
Se suas cartas lesse era demência.
Senhor Correio, veja se há um meio
de ter um pouco menos de inclemência.
Porque enfim o que escrevo a mim o devo,
Senhor Correio, é meu tudo o que escrevo,
e a tinta expressando as minhas falas.
É qualquer coisa mais que intimidade.
Senhor Correio, sabe que é verdade,
violar minhas cartas é matá-las.
MURALHA, Sidónio (2002). “Poemas de Abril” (1974), Obras Completas do Poeta,
Lisboa: Universitária Editora, p. 253
Lisboa: Universitária Editora, p. 253
Durante o regime totalitário do Estado Novo, para além da devassa da intimidade de cada pessoa, pela violação da correspondência, foram proibidas 3 300 obras. A Censura só viria a terminar com a Revolução de abril, em 1974.
Manuel Freire canta "Ouvindo Beethoven", de Saramago
OUVINDO BEETHOVEN
Venham leis e homens de balanças,
Mandamentos daquém e dalém mundo,
Venham ordens, decretos e vinganças,
Desça o juiz em nós até ao fundo.
Nos cruzamentos todos da cidade,
Brilhe, vermelha, a luz inquisidora,
Risquem no chão os dentes da vaidade
E mandem que os lavemos a vassoura.
A quantas mãos existam, peçam dedos,
Para sujar nas fichas dos arquivos,
Não respeitem mistérios nem segredos,
Que é natural nos homens serem esquivos.
Ponham livros de ponto em toda a parte,
Relógios a marcar a hora exata,
Não aceitem nem votem noutra arte
Que a prosa de registo, o verso data.
Mas quando nos julgarem bem seguros,
Cercados de bastões e fortalezas,
Hão de cair em estrondo os altos muros
E chegará o dia das surpresas.
José Saramago, Poema à Boca Fechada, 1966
Venham leis e homens de balanças,
Mandamentos daquém e dalém mundo,
Venham ordens, decretos e vinganças,
Desça o juiz em nós até ao fundo.
Nos cruzamentos todos da cidade,
Brilhe, vermelha, a luz inquisidora,
Risquem no chão os dentes da vaidade
E mandem que os lavemos a vassoura.
A quantas mãos existam, peçam dedos,
Para sujar nas fichas dos arquivos,
Não respeitem mistérios nem segredos,
Que é natural nos homens serem esquivos.
Ponham livros de ponto em toda a parte,
Relógios a marcar a hora exata,
Não aceitem nem votem noutra arte
Que a prosa de registo, o verso data.
Mas quando nos julgarem bem seguros,
Cercados de bastões e fortalezas,
Hão de cair em estrondo os altos muros
E chegará o dia das surpresas.
José Saramago, Poema à Boca Fechada, 1966
Zeca Afonso, "Canção de embalar". Ao vivo, no Coliseu dos Recreios, em 1983
Manuel Freire canta "Pedra Filosofal", de António Gedeão
Poucos, muito poucos foram os poetas que se mantiveram alheios aos anos de ferro e manha da ditadura salazarista. De forma mais explícita ou mais discreta, mais pessoal ou pública, com palavras de indignação, de denúncia ou verrina, raros foram aqueles que não lavraram um pequeno ou grande incêndio nos seus livros, num ou noutro poema, num verso apenas que fosse.
FANHA, José (2004). Apresentação De Palavra em Punho – Antologia Poética da Resistência. De Fernando Pessoa ao 25 de Abril, Porto: Campo das Letras.
FANHA, José (2004). Apresentação De Palavra em Punho – Antologia Poética da Resistência. De Fernando Pessoa ao 25 de Abril, Porto: Campo das Letras.
José Mário Branco canta poema de Natália Correia. Do Álbum Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades, gravado em Paris, em 1971.
"A metamorfose, 24-04-74 / 24-08-74", de Abel Manta. Publicado no Diário de Notícias em agosto de 1974. |
25 de Abril
Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
Sophia de Mello Breyner Andresen, in O Nome das Coisas
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
Sophia de Mello Breyner Andresen, in O Nome das Coisas
Ricardo, 11º G |
Abril de Abril
Era um Abril de amigo Abril de trigo
Abril de trevo e trégua e vinho e húmus
Abril de novos ritmos novos rumos.
Era um Abril comigo Abril contigo
ainda só ardor e sem ardil
Abril sem adjetivo Abril de Abril.
Era um Abril na praça Abril de massas
era um Abril na rua Abril a rodos
Abril de sol que nasce para todos.
Abril de vinho e sonho em nossas taças
era um Abril de clava Abril em acto
em mil novecentos e setenta e quatro.
Era um Abril viril Abril tão bravo
Abril de boca a abrir-se Abril palavra
esse Abril em que Abril se libertava.
Era um Abril de clava Abril de cravo
Abril de mão na mão e sem fantasmas
esse Abril em que Abril floriu nas armas.
ALEGRE, Manuel. 30 Anos de Poesia,
Lisboa: Publicações Dom Quixote
Liberdade
— Liberdade, que estais no céu...
Rezava o padre-nosso que sabia,
A pedir-te, humildemente,
O pio de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
Nem me ouvia.
— Liberdade, que estais na terra...
E a minha voz crescia
De emoção.
Mas um silêncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.
Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
— Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.
Miguel Torga, Diário XII
Conquista
Livre não sou, que nem a própria vida
Mo consente.
Mas a minha aguerrida
Teimosia
É quebrar dia a dia
Um grilhão da corrente.
Livre não sou, mas quero a liberdade.
Trago-a dentro de mim como um destino.
E vão lá desdizer o sonho do menino
Que se afogou e flutua
Entre nenúfares de serenidade
Depois de ter a lua!
Miguel Torga, Cântico do Homem
A memória literária da ditadura: autoridade, identidade, liberdade
ROCHA, Clara Rocha (2003). Ipotesi – Revista de Estudos Literários. Juiz de Fora: Programa de Pós- Graduação em Letras da UFJF, V. 7, n. 2, pp. 29-39.
ROCHA, Clara Rocha (2003). Ipotesi – Revista de Estudos Literários. Juiz de Fora: Programa de Pós- Graduação em Letras da UFJF, V. 7, n. 2, pp. 29-39.
Universidade de Coimbra.
RIBEIRO, Margarida Calafate (1998). Portuguese Literary & Cultural Studies 1, pp. 125 -152.
MORAIS, Paula Fernanda (2005). Tese de mestrado. Braga: Universidade do
Minho – Instituto de Letras e Ciências Humanas, julho de 2005.
FIGUEIREDO, Maria Augusta da Fonseca Pires (2006). Tese de mestrado. Lisboa: Universidade Aberta.
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