quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Inteligência Artificial: o 18.º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável







    Rui Nunes


A inteligência artificial generativa está já a alterar o modo como se faz ciência, sendo inegável a sua capacidade de exponenciar o ritmo e a qualidade dos resultados


Nunca anteriormente uma evolução tecnológica teve o potencial de alterar tão profundamente a nossa vida, desde o sistema financeiro, às transações comerciais, passando pela administração da justiça, pelo sistema de saúde ou pelo setor artístico e criativo. Já hoje a inteligência artificial (IA) penetra quotidianamente nas nossas vidas sem que a maior parte das pessoas tenha consciência de isso. Se é verdade que a IA traz inúmeros benefícios à humanidade, comporta sérios riscos e tem implicações éticas profundamente disruptivas que importa analisar e, sobretudo, prevenir.

Na investigação científica, por exemplo, a inteligência artificial generativa está já a alterar o modo como se faz ciência, sendo inegável a sua capacidade de exponenciar o ritmo e a qualidade dos resultados. Mas, a falta de explicabilidade da IA, ou seja, a incapacidade de o ser humano entender o modo como a IA alcança determinadas conclusões, torna o processo científico difícil de replicar, e, portanto, de verificar. O que implica repensar os direitos de autor, a obtenção de patentes, a avaliação de mérito individual, ou o modo como se determina o ranking de universidades ou a avaliação de laboratórios de investigação, entre outros.

Na saúde, em especial na medicina, a IA será disruptiva a vários níveis. No plano da relação médico-doente os sistemas de IA generativa permitem recolher a informação obtida na anamnese, e assim sugerir diagnósticos alternativos e recomendações de meios auxiliares de diagnóstico e de tratamento. Sendo uma ferramenta útil para médicos e doentes (permitindo aos doentes melhor entender, por exemplo, um documento de consentimento informado através do Chat GPT) suscita importantes questões no plano da responsabilidade médica sendo mesmo de equacionar a necessidade de rever o respetivo regime jurídico. Importa definir claramente qual a responsabilidade relativa de médicos, dos sistemas de IA, e das organizações.

A União Europeia, e bem, consciente da enorme complexidade da inteligência artificial, por exemplo do machine learning e do deep learning, e da possibilidade de estes sistemas invadirem a esfera privada das pessoas, incluindo o acesso a dados pessoais e confidenciais, irá brevemente aprovar no Parlamento Europeu o Artificial Intelligence Act. Trata-se de uma iniciativa de enorme relevância política não apenas na Europa, mas também no plano internacional.

Porém, lamentavelmente, este exemplo de regulação da IA através de uma estratificação de risco, determinando o que é ou não adequado e legítimo, poderá não ser seguido por outros países, não sendo aceitável uma geometria variável neste domínio. Pelo que no plano da governação global uma solução possível para regular internacionalmente a IA seria ONU passar a considerar a Inteligência Artificial de Confiança como o 18º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

De facto, a IA irá, direta ou indiretamente, alterar de forma radical a vida na Terra. Pelo que virtualmente todos os 17 atuais ODS serão afetados pela inteligência artificial. Sendo a Agenda 2030 uma agenda que aborda várias dimensões do desenvolvimento sustentável pretendendo, assim, promover a paz, a justiça e a criação de instituições eficazes, então densificar os limites da aplicação da IA parece ser inevitável.

Este novo ODS deverá ter em conta, entre outros aspetos, que a IA para ser de facto de confiança (reliable AI) deve ser explicável e entendível pelos seres humanos, deve promover a justiça, a igualdade, e a privacidade, e deve ser sempre passível de supervisão e de controlo humanos. A par de instrumentos regulatórios de natureza jurídica, nacionais e internacionais, considerar a Inteligência Artificial de Confiança como o 18º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável seria um enorme passo para a humanidade e um legado fundamental para as gerações vindouras.

Expresso, 12 de fevereiro de 2024

 Nunes, R. (2024). Inteligência Artificial: o 18.o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável. Retrieved from https://expresso.pt/opiniao/2024-02-12-Inteligencia-Artificial-o-18.-Objetivo-de-Desenvolvimento-Sustentavel-5c3c4a3b

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