A arte e engenho de Camões, associados ao ludismo e ao humor, estão presentes neste poema, resultando daí uma dupla chave de leitura: o retrato disfórico da dama, que evoca as cantigas de escárnio e maldizer dos trovadores medievais, e o retrato elogioso, que evoca a poesia provençal de superlativação da mulher.
O primeiro retrato resulta da leitura da primeira parte de cada verso (excluindo, portanto, tudo o que surge escrito a azul).
O segundo retrato emerge da leitura integral do poema (ignorando a diferenciação da cor).
Sois uma dama de grão merecer
das feias do mundo andais apartada
de todas da má fama andais alongada
sois cabo profundo de bem parecer
a vossa figura bem claro mostrais
não é pera ver em vós fealdade
em vosso poder não há i maldade
não há formosura que não precedais.
Vós fostes dotada de fresco carão
de toda a maldade vos vejo ausente
perfeita beldade em vós é presente
de vós é tirada a má condição
sois muito acabada em ter perfeição
de tacha e de glosa mui alheia estais
pois quanto a fermosa mui muito alcançais
em vós não há nada de pouca razão.
Luís Vaz de Camões
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