terça-feira, 17 de julho de 2018

Sois uma dama de grão merecer





A arte e engenho de Camões, associados ao ludismo e ao humor, estão presentes neste poema, resultando daí uma dupla chave de leitura: o retrato disfórico da dama, que evoca as cantigas de escárnio e maldizer dos trovadores medievais, e o retrato elogioso, que evoca a poesia provençal de superlativação da mulher.

O primeiro retrato resulta da leitura da primeira parte de cada verso (excluindo, portanto, tudo o que surge escrito a azul). 

O segundo retrato emerge da leitura integral do poema (ignorando a diferenciação da cor).  



Sois uma dama de grão merecer

das feias do mundo andais apartada

de todas da má fama andais alongada

sois cabo profundo de bem parecer

a vossa figura bem claro mostrais

não é pera ver em vós fealdade

em vosso poder não há i maldade

não há formosura que não precedais.



Vós fostes dotada de fresco carão

de toda a maldade vos vejo ausente

perfeita beldade em vós é presente

de vós é tirada a má condição

sois muito acabada em ter perfeição

de tacha e de glosa mui alheia estais

pois quanto a fermosa mui muito alcançais

em vós não há nada de pouca razão.

Luís Vaz de Camões


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