sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Cinema e literatura






O cinema é uma forma de literatura, tal como o canto é uma forma de poesia. O cinema alargou as possibilidades de construção narrativa. Não há porque a ficção escrita não tire partido desse alargamento. Existem naturalmente limites, cada linguagem diz o que diz nos seus próprios termos. Há coisas que o cinema mostra melhor do que a escrita, há coisas que a palavra constrói com mais profundidade, mas as contaminações são inevitáveis. Se, ao nível do cinema, há referências de que eu esteja consciente, elas seriam Bergman e Antonioni. Mas esta é uma relação ambígua. Veja-se, no âmbito do romance, Cormac MacCarthy. É espantosa a natureza cinematográfica do que escreve, apesar de, quando transpostos para o cinema, os seus textos se perderem. Será essa a especificidade da escrita. Aquilo que se constrói enquanto palavra só nesse plano adquire toda a sua espessura. Do mesmo modo, aquilo que se constrói enquanto imagem só enquanto imagem é verdadeiramente apreensível.

Maria João Cantinho, “Ninguém nos lê hoje, ninguém, provavelmente, nos lerá no futuro”, Entrevista a Helder G. Cancela", Revista Caliban, https://revistacaliban.net/ningu%C3%A9m-nos-l%C3%AA-hoje-ningu%C3%A9m-provavelmente-nos-ler%C3%A1-no-futuro-b730217de2b9


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