segunda-feira, 16 de março de 2015

Dia do patrono: Camilo Castelo Branco



16 de março


Efeméride




Painel elaborado por alunos de Artes da ESCCBVR


Camilo Castelo Branco, nascido a 16 de março de 1825, é patrono da nossa escola desde 1914, por proposta do  reitor do então designado Liceu Nacional de Vila Real.
 
 





A Brasileira de Prazins, de Camilo Castelo Branco.
Como pode ver-se na imagem, o carimbo usado no canto superior direito remonta ao tempo do Liceu Nacional (séc. XIX)



O artista: o que diz a crítica...

"Quem pintou, como ele, o camponês do norte, o padre aldeão, o burguês portuense, os titulares do liberalismo, o velho aristocrata, a gemer do reumático e a chorar pelo Senhor D. Miguel? E na Queda de um Anjo, a esposa do anjo caído, a Dona Teodora Figueiroa! Lá vai, numa liteira, de Trás-os-Montes a Lisboa. Constou-lhe que o marido, o anjo!, andava, por lá, perdido com as meninas do Chiado! A pobre dama vai a suar de aflita, e tão exoticamente encafuada num arcaico vestido cor de ginja, com um lencinho vermelho de três pontas, na cabeça, que alguns populares, em Penafiel, olhando-a, pela portinhola da liteira, exclamaram: É o bispo de Lamego!
 
[...] A Samardã foi, para ele, um segundo berço. Mais do que o lugar em que nascemos para a morte, pertencemos àquele em que nascemos para a vida, que é puramente espiritual. A Samardã e a tia Rita vão adquirir um valor simbólico. A Samardã será Portugal e a D. Rita a Sociedade. Topará sempre a tia a acusá-lo de baixos instintos, e a Samardã a rodeá-lo de morros hostis, sentinelas de granito fardadas de neve, pelo inverno. Sempre a Samardã e a tia: uma sociedade - tia e um Portugal - Samardã! Sempre, até ao desespero do suicídio.


Casa da Samardã, onde Camilo viveu com uma irmã mais velha, Carolina Rita


 
 
 
[...] O jovem poeta, nas ruas do Porto, evoca a paixão transmontana, tão da sua intimidade, onde, entre fragas, desabrocham flores, que são mulheres. Não separa a mulher da natureza. Descobre-a, ao mesmo tempo, na sua memória e num enorme outeiro: ermo, não por ser desabitado, mas porque nos revela um sentimento de abandono, tão vivo como se estivesse em nosso coração.

[...] Camilo amou e foi amado, topou mulheres falsas e verdadeiras, a Ana Plácido, toda literatura, a fumar charuto, e a Fany, a fêmea angelizada pela sua infinita delicadeza. A sua vida é um eterno conflito entre o ser amado e o amar, o morrer e o matar-se, ou entre a morte ativa e a passiva, ou ele a gemer à sombra de Ana Plácido, e caindo fulminado aos pés da estátua de um anjo em luar marmóreo, e o conflito hamlético entre o ser ou amar  e o não ser ou ser amado. Só vive quem ama; e, por isso, a mulher não vive, mas é vivida."
 
Teixeira de Pascoais - O Penitente. Lisboa: Assírio & e Alvim, 1985




Casa dos Brocas - mandada construir pelo avô materno do escritor, Domingos Correia Botelho,
por volta de 1774. (crédito: http://artalongtheages.blogspot.pt/2011/07/vila-real-casa-dos-brocas.html)



"O romance de Camilo participa do folhetim, participa do panfleto, participa da crónica, participa do comentário, divagação ou confissão pessoal, participa, como já foi dito, do que geralmente chamamos novela, e até do que, num sentido técnico fixado, geralmente chamamos romance. É, pois, irregular e compósito - no que em certa medida se avizinha do romance moderno. Visivelmente, a personalidade e os humores de Camilo dominam o seu romance: impõem-lhe uma técnica desigual, volúvel, diversa, caprichosa, livre (ou licenciosa) como essa mesma personalidade, esses mesmos humores, Neste sentido, é Camilo um mestre que pode servir como exemplo (até como representante de certo pendor português para a improvisação e a confusão) mas não pode conquistar discípulos aos quais ofereça regras que não tem ele próprio.
 
 
[...] O comediógrafo, o versejador, o historiador, o cronista, o apreciador literário, esfumam-se, em Camilo, perante o romancista e o novelista.
 
Não quer isto dizer que sejam sem interesse, e devam ser esquecidos, ou passados de relance, num estudo completo da sua obra. Porém o polemista mantém-se resistente; e a razão é simples: na polémica exercita Camilo, sem as baixar de grau, algumas das forças que caraterizam o seu romance, e a que só agora nos podemos referir com relativo vagar. Falamos do seu sarcasmo; do seu dom de fazer ver ridículo e grotesco; do seu poder de troça, caricatura, paródia; da sua extraordinária fantasia cómica. Efetivamente, desde sempre mais ou menos se reconheceu a Camilo o talento de fazer rir a par do de comover.
 
[...] Se um crítico estrangeiro quiser conhecer um romancista lidimamente português abdicando (o que parece difícil) de procurar nas obras de ficção portuguesa não o que é originalmente nacional, mas o que antes reflete gostos da sua própria nacionalidade dele, crítico, terá de ler, estudar, procurar compreender Camilo."
 
José Régio - "Camilo, romancista português", in Ensaios de interpretação crítica. Lisboa: Portugália Editora, 1964
 



 
«Camilo é o nosso grande romancista. E humorista. Romântico, dramático, trágico, satírico, de ir às lágrimas e de chorar de rir. A língua portuguesa rejubila com ele. Desenha personagens a fio de prata, iluminando a prosa. Raúl Ruiz escolheu Mistérios de Lisboa para filmar e quer continuar com O Livro Negro do Padre Diniz, obra romântica fantástica com um pouco de O Monte dos Vendavais. Manoel de Oliveira transformou Camilo em teatro radiofónico, o que é pouco para o génio absoluto do autor de A Brasileira de Prazins. Talvez o Chileno entenda o talento extraordinário de ficcionista e historiador, que os portugueses ignoram por não ser “moderno”, nem “francês”, nem “cosmopolita”. Por isso é o melhor de nós.»

                                       Francisco José Viegas, In Correio da Manhã, 29 de Dezembro de 2009

 




Um escritor multifacetado:
_____________narrativa, teatro, poesia, polémica





Reprodução de trabalhos do pintor e ilustrador Júlio Pomar, feitos expressamente para a obra de Aquilino Ribeiro, O Romance de Camilo.




morte de camilo

quando camilo deu, como então diziam os românticos
afetando o maior desprezo pelo corpo, um tiro
nos miolos, o projétil furou muitos milhares de páginas
que ele, na cegueira, já não conseguia ler, mas

guardava na cabeça. elas entraram assim em contacto,
umas com as outras, as dele e muitas mais, por esse
novo canal aberto pela bala. no exato momento
da sua morte, tintas de sangue e dor insuportável,

ele deve ter reconhecido semelhanças e perdições,
reencontrado personagens e experiências
amarguradas a jorrarem, de súbito presentes,
deve ter entrevisto paisagens, rostos, torpezas, ironias,

intensidades próprias e alheias. camilo deve tê-las percorrido,
à velocidade do raio, numa fração de segundo,
como numa espécie de nova ars combinatoria,
e compreendido as negras molas reais de tudo. nós só

não sabemos se então ainda lamentou já não poder
escrever esses enredos possíveis, fulgurantes numa prosa
cada vez mais dominada, mas que, como sempre, da paixão
incontrolada e da morte e de rápidos traços se nutriam.

      Vasco Graça Moura - “Poemas com Pessoas”, in Poesia 1997/2000. Lisboa: Quetzal, 2000, p. 132.

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