Sugestão de leitura
António de Castro Caeiro é doutorado em Filosofia Antiga. |
Em “O Que É a Filosofia”, lemos o seu fazer. António de Castro Caeiro dirige a pergunta a seis filósofos da sua eleição e disseca o que para cada um seria uma resposta. Por vezes, a resposta é simplesmente perguntar
LUCIANA LEIDERFARB
Uma pergunta pode ser, ela própria, a resposta. A pergunta pela filosofia é um assunto arriscado, e mais ainda se dirigida — seguindo o rasto do seu pensamento, como seguimos um trilho oculto entre a folhagem — a filósofos como Platão, Aristóteles, Sto. Agostinho, Kant, Wittgenstein e Heidegger. Compreender como cada um deles a responderia pode ser, em si, fazer filosofia, refazer esse caminho, sentir, na verdade, que ele tem uma ligação (umbilical, constitutiva, até quotidiana) connosco. António de Castro Caeiro é filósofo, mas é também um professor (quem aqui escreve teve a sorte de ser sua aluna) capaz de nos levar lá, onde o pensamento é gerado e ativado. A filosofia é uma atividade, diz ele, desde logo. Não se tem: faz-se. Podemos estudá-la na escola, cursá-la na universidade, e ficarmos na mesma quanto ao que é filosofar. Ou podemos pegar na disposição para filosofar que nos é inerente e detoná-la, perguntar sobre a pergunta.
Em “O Que É a Filosofia?”, o autor evoca seis aulas magistrais proferidas por si no CCB. Primeiro, aborda a detonação da Filosofia em Platão, recorrendo ao significado grego da palavra, philia e sophia, obsessão e transparência. A filosofia surge como uma “obsessão compulsiva pela transparência” que é o reverso de uma “fuga à opacidade”: não queremos ficar sem saber. Sobre Aristóteles, lemos de novo que “não basta ler os textos filosóficos”, pois “a nossa aproximação a um texto filosófico tem de transformar, através da sua leitura, o modo como vemos o mundo”. Somos introduzidos na génese tardia da palavra ‘metafísica’ — que um bibliotecário inventou para indicar os textos que ladeavam os de física. “É o destino da filosofia vir a ser o seu próprio objeto”, diz Caeiro, questionando: “Aonde vamos quando começamos a pensar? De onde regressamos à realidade para cair nela?”
Da metamorfose que o significado de filosofar opera em Wittgenstein ao que aquele representa para Heidegger — passando pelo Sto. Agostinho das “Confissões” e por Kant —, não se trata aqui de um formular teórico, mas da remissão ao instante limite que desencadeia a necessidade filosófica. Não é só — como diz o senso comum — o espanto. É a curiosidade, a ignorância consciente, o amor, a angústia, o tédio. “Nesses momentos, faz-se a experiência da vida no estrangulamento do seu sentido. É também aí que nasce a possibilidade de ser quem se é.” Ler este livro é duro, luminoso e obrigatório. E não serve a escusa de ‘não perceber nada’ de filosofia.
Revista E, Semanário Expresso#2658, 6 de outubro de 2023
Editora Tinta da China, 2023 |
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