terça-feira, 28 de novembro de 2023

Escola a ler... Contra a violência de género | 11º

 

 

 

 

27 de novembro, Dia laranja
 
 
Naziran, uma mulher sem rosto, de Naziran (com a colaboração da jornalista Célia Mercier) foi o livro selecionado pela Biblioteca como proposta de leitura em voz alta nas turmas do 11º ano e do 2º ano Dos Cursos Profissionais TAS e TAP.
 
 
 
 
 
 
 
EXCERTO:
Quatro dias após o parto, Kirane ordena-me que me levante, embora ainda seja de noite:
- Então, Naziran, pensas que vais repousar como se nos tivesses dado um filho? Que julgas tu? Vai trabalhar?
Apesar do meu estado e da dor que ainda me rasga o ventre, levanto-me com dificuldade. Segundo as nossas tradições, uma mulher descansa até 40 dias depois do parto. Mas não é assim que Kirane vê o problema. Recomeço, pois, a trabalhar, constrangida e forçada. Tenho de lavar a roupa, de cozinhar, de limpar a casa. Uma vez terminadas estas tarefas, vergada pelas dores, vou trabalhar para o campo. Levo a minha filha ao colo. Ela adormece, enrolada numa manta.
[…] Sinto-me apaziguada quando a estreito contra mim. Preciso, todavia, de dar um filho a Adil. O próximo bebé terá de ser rapaz.
Passados seis dias, damos um nome à menina. Adil quer absolutamente que ela se chame Hina. Não gosto do nome, recorda-me demasiado a minha cunhada, mas deixo-o escolher. Com o decorrer do tempo, Adil acaba por se afeiçoar à filha.
Em casa, recomeçou o pesadelo. Adil faz-me pagar a deceção de não lhe ter dado um rapaz. As agressões, os insultos… A minha sogra não se cansa de me censurar, considera-me demasiado lenta. Choro frequentemente, sinto-me cada vez mais deprimida. Após um dia de trabalho, desfaço-me em lágrimas atrás do muro que cerca a casa, à beira da valeta.
Certa manhã, estou agachada no pátio a diluir pesticidas na água de uma bacia. […] Adil está ao meu lado, aguarda com impaciência que eu termine a tarefa. Olho para ele, tenho uma pergunta para lhe fazer:
- O casamento da tua cunhada realiza-se em breve, não é verdade? Não tenho roupa apropriada.
Adil lança-me um olhar maldoso, replica:
- Pede ao teu pai, já que é tão generoso!
Desfaço-me em lágrimas.
- Estás a ser injusto, agora és tu o meu marido, e és tu que deve ocupar-se de mim.
- Cala-te e termina o que estás a fazer.
Com os olhos marejados de lágrimas, continuo a remexer a mistura na selha. Adil acha-me demasiado lenta.
- Transmites infelicidade! Estou farto de te ver sempre a chorar. Despacha-te!
Adil esbofeteia-me. Debato-me. Então, ele apodera-se de uma pesada barra de ferro guardada na cabana dos utensílios e atinge-me a cabeça. Grito, tenho o crânio fendido, o sangue espalha-se por toda a parte e já não vejo nada.
 
NAZIRAN – Naziran – uma mulher sem rosto. Lisboa: Albatroz, 2022, pp. 93-94. ISBN 9789720045713
 


Sem comentários: