A palavra aos poetas
Mas quem diria ser Outono
Mas quem diria ser Outono
se tu e eu estávamos lá?
(Tínhamos sono…Tanto sono!
É bom dormir ao deus-dará…)
E sobre o banco do jardim,
ante a cidade, o cais e o Tejo,
seria bom dormir assim,
ao deus-dará, como eu desejo…
Mas o teu seio é que não quis:
tremeu de mais sob o meu rosto…
Agora, nu, será feliz,sob o afago do sol-posto...
Seria Outono aquele dia,
nesse jardim, doce e tranquilo…?
Seria Outono...
Mas havia
todo o teu corpo a desmenti-lo.
David Mourão Ferreira, Obra Poética
Canção de Outono
No entardecer da terra,
O sopro do longo outono
Amareleceu o chão.
Um vago vento erra,
Como um sonho mau num sono,
Na lívida solidão.
Soergue as folhas, e pousa
As folhas volve e revolve
Esvai-se ainda outra vez.
Mas a folha não repousa
E o vento lívido volve
E expira na lividez.
Eu já não sou quem era;
O que eu sonhei, morri-o;
E mesmo o que hoje sou
Amanhã direi: quem dera
Volver a sê-lo! mais frio.
O vento vago voltou.
Fernando Pessoa, Semanário Ilustração Portuguesa, 1992, nº 833
Quando, Lídia, vier o nosso Outono
Quando, Lídia, vier o nosso outono
Com o inverno que há nele, reservemos
Um pensamento, não para a futura
Primavera, que é de outrem,
Nem para o estio, de quem somos mortos,
Senão para o que fica do que passa
O amarelo atual que as folhas vivem
E as torna diferentes.
Ricardo Reis, Odes (heterónimo de Fernando Pessoa)
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