O filme, de Fernando Vendrell:
O romance, de Vergílio Ferreira:
Manhã Submersa, romance de Vergílio Ferreira, tornou-se também um clássico do cinema português, quando, em 1980, Lauro António o adaptou. Curiosamente, o próprio escritor aceitou o desafio de interpretar o papel do reitor, uma malévola figura do seu livro, o que revela uma relação aberta com o cinema. Contudo, desde Lauro António que nenhum outro realizador alguma vez ousara levar uma obra de Vergílio Ferreira ao grande ecrã. Isso poderá estar diretamente relacionado com a natureza da sua própria escrita. Apesar de ter começado próximo do neorrealismo, Vergílio Ferreira derivou para uma literatura de maior fôlego reflexivo e filosófico. O que dificulta a passagem para o cinema, em que normalmente há uma maior dependência de uma estrutura narrativa. Aparição (1959) é o romance em que se dá a transição entre os dois períodos. Há uma enorme carga filosófica, expandindo e refletindo sobre as grandes questões da Humanidade, sobretudo o existencialismo; mas, ao mesmo tempo, há uma narrativa estruturada, cheia de elementos autobiográficos, que desemboca numa história de amor e morte. A narrativa, aliás, serve de base para o espírito reflexivo do próprio autor; é a partir da descrição da ação que se desenvolve o pensamento.
Isto, tanto no livro como no filme. Porque, mérito lhe seja dado, Fernando Vendrell observou bem as dimensões da obra, reconstruindo-as em cinema, em duas camadas. E fê-lo com elegância e bom gosto, sem sequer recorrer ao subterfúgio da voz off, ferramenta facilitadora tão usada em adaptações literárias, para ecoar a voz do autor. O filme situa-se em Évora, cidade onde o próprio Vergílio Ferreira foi colocado como professor nos anos 50 do século passado. A cidade tem um ambiente claustrofóbico, contrariado por uma certa elite, a vários níveis à frente do seu tempo. É ali que o protagonista, Alberto, encontra Sofia, moralmente arrojada, musa de desejo e morte. Mas também Carolino, um aluno que adota como discípulo, mas que faz uma leitura fatalmente perversa das suas reflexões existencialistas, o que resulta num desfecho trágico de dupla leitura.
Em Aparição, Fernando Vendrell recupera Vergílio Ferreira para o cinema português.
Manuel Halpern, Visão Se7e, 25 de março de 2018
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