domingo, 15 de janeiro de 2023

Entrevista | Paula Duarte Lopes, docente e investigadora da Universidade de Coimbra

 




O caminho de Paula Duarte Lopes na Universidade de Coimbra (UC) começou enquanto estudante da Faculdade de Economia da UC (FEUC). Volvidos quase 30 anos, a FEUC continua a ser a sua casa, de onde saiu para se especializar na área que sempre fez bater o seu coração: as Relações Internacionais. Hoje é professora na FEUC, integrando o Núcleo de Relações Internacionais, e é também investigadora do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, na área dos Estudos para a Paz. Estas duas dimensões não vivem uma sem a outra na sua rotina. Para Paula Duarte Lopes, fazer investigação é estar sempre a aprender e é também levar o trabalho de campo para dentro da sala de aula, para que as/os estudantes aprendam as matérias em plena articulação com a sociedade atual.

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Quando e como começou o seu percurso na Universidade de Coimbra?

Já foi há muito tempo e começou como estudante. Tirei a licenciatura de Economia aqui na casa [na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra]. Ainda frequentei uma licenciatura de cinco anos, o que era tempo suficiente não só para tirar uma licenciatura, como para nos envolvermos, [criarmos relações de amizade], com a equipa da faculdade, não só com docentes, mas também com funcionários.

Assim que me licenciei, e durante alguns anos, trabalhei como assistente de investigação no Centro de Estudo Sociais (CES). Depois, fui fazer o mestrado fora, na área das Relações Internacionais. E só depois do mestrado é que me candidatei para a área das Relações Internacionais, a um projeto que estava a acabar de ser criado aqui na faculdade. E foi assim que retornei à Faculdade de Economia, como docente, logo no segundo ano em que foi criada a área de Relações Internacionais aqui na casa. E aqui tenho estado.


Como é que surgiu o interesse pelas áreas da Ciência Política e das Relações Internacionais?

Como muitas pessoas, quando fiz a licenciatura de Economia não sabia muito bem o que é que queria fazer no final. E a minha mentora, enquanto estive no Centro de Estudos Sociais, a Professora Maria Manuel Leitão Marques, que recentemente se jubilou, disse-me “olha para trás e vê o que é que durante os últimos cinco anos te fez bater mais o coração.” E eu vi que eram as questões internacionais que realmente me interessavam. Só depois de começar a fazer investigação no CES é que percebi que não eram as Relações Internacionais no sentido da Economia Internacional, que ainda era um bocadinho quantitativa; eu estava interessada nas instituições, nas políticas e nos programas. E, por conselho dela, muito acertado e visionário, decidi fazer um mestrado em Economia Política Internacional. Na altura não existia essa área em Portugal. Ainda hoje existe de uma forma muito embrionária. Já temos uma associação, mas é pequena a expressão no país desta área de estudos. Fui para a Grã-Bretanha, para a London School of Economics and Political Science, e descobri um mundo novo! Fiquei apaixonada por essa área e nunca mais olhei para trás.

Sempre quis seguir caminho como docente e investigadora ou equacionou outros percursos?

Sempre tive o “bichinho” da investigação, porque investigar implica estarmos sempre a aprender. E eu gosto de aprender coisas novas! Mas, na altura, e um pouco como hoje, a carreira de investigação em Portugal não era uma carreira muito promissora, sólida ou com segurança. Ainda antes de me candidatar para ser docente, tentei trabalhar numa empresa multinacional e para o Estado, em termos administrativos, e fui percebendo que não era isso que queria fazer.

Quando regressei a Portugal, depois de ter acabado o mestrado, precisava de um emprego. Regressei em junho e o que normalmente se fazia em termos de docência era procurar ser professora do ensino obrigatório, mas todos esses concursos já estavam fechados. A única coisa que havia eram concursos para docente universitário. Candidatei-me a todas as universidades que tinham vagas, quer na área da Economia, quer na área das Relações Internacionais, porque precisava de um emprego. E tive a sorte de o projeto aqui na casa estar no seu início e estar a recrutar. Não tinha isso planeado, de forma alguma! Vim cá parar não porque a docência tenha sido sempre o meu sonho ou vocação, porque não tinha isso no meu leque de opções. Mas depois de começar não consigo imaginar o meu caminho noutra área! Gosto muito da interação com os estudantes e com as estudantes e estou muito bem. E poder aliar isso à investigação é o 2 em 1 perfeito.

Referiu que aprende muito quando está a investigar. Além disso, o que é que mais a fascina na investigação?

Em primeiro lugar, é isso mesmo, aprender e conhecer melhor as dinâmicas, e não aceitar apenas o que nos é dito e descrito. Quando começamos a fazer entrevistas e a observar reuniões, começamos a perceber que há ali nuances que nos escapam e que ajudam a perceber determinadas decisões e determinados resultados.

Em segundo lugar, não faço investigação só porque sim. Identifico-me muito com a matriz genética do Centro de Estudos Sociais, onde estou afiliada, em que se faz investigação para agir. Faz-se investigação para perceber os assuntos de forma a melhorar as coisas, para tentar fazer recomendações e perceber, às vezes sem ser intencional, o que acaba por ser marginalizado. Isso é algo que me move.

A outra coisa que me entusiasma, tendo em conta a profissão que tenho, é que não consigo conceber dar aulas sem fazer investigação. Uma coisa é darmos aulas e ensinarmos sobre temáticas que lemos nos livros, nos artigos, [que ouvimos] em conferências. Outra coisa é ensinarmos isso e termos exemplos concretos, porque estivemos lá, testemunhamos, fizemos parte da discussão. Isso traz uma mais-valia para a dinâmica em sala de aula que me satisfaz muito.

E o que é que a entusiasma na docência?

Gosto muito de ver os/as estudantes a crescer. Ou seja, estar desde o início do semestre a discutir temáticas e vê-los e vê-las a acompanharem e a crescerem como cidadãos e cidadãs, mas também como pessoas informadas. As minhas aulas são muito interativas e, antes de dar a matéria propriamente dita, estou sempre a lançar questões. E vê-los e vê-las a tentarem perceber e a responder às questões dá-me muito prazer. E, ao mesmo tempo, aprendo muito com eles e com elas, porque nunca sabemos as questões que nos vão colocar e porque têm caminhos e experiências diferentes. Temos um corpo de estudantes muito internacionalizado, que tem também valores e opiniões políticas diferentes, e nunca sabemos o que vai ser questionado. E isso também me faz progredir e crescer como pessoa [e como docente].

A outra questão que também me entusiasma na docência é que a nossa equipa do Núcleo de Relações Internacionais na Faculdade de Economia vê a docência como uma atividade que é normativa. Ou seja, temos um compromisso, que não passa só por transmitir informação, porque nos dias de hoje os/as estudantes podem adquirir informação em qualquer sítio, embora possa ser incorreta ou falsa. O nosso compromisso é dar-lhes as condições para que, com base nessa informação que lhes transmitimos, eles e elas aprendam a pensar pela sua própria cabeça. E isso é um exercício diário. Isso satisfaz-me muito como pessoa e como professora, mas também acho que é muito interessante para os estudantes e para as estudantes, porque o mundo não é de coisas certas. Essa dinâmica é algo que me apaixona bastante. Eu saio de uma aula – apesar de cansada, em termos de energia – revigorada e com um sorriso na cara porque houve ali passos que se deram.

Nos últimos tempos, uma das temáticas que tem investigado é a água como direito humano. O que tem procurado revelar com as pesquisas que tem desenvolvido?

Essa é uma área mais recente na minha investigação, mas que acaba por ser transversal a tudo o que fiz para trás e também aos planos que tenho para o futuro. E tenho tentado visibilizar o trabalho que faço através de três ângulos.

O primeiro passa por mostrar todo o processo que levou ao reconhecimento do direito humano à água. Havia uma grande discussão, porque se dizia que esse direito já estava reconhecido porque existia o direito à vida, mas muitas pessoas que trabalham na área de Direito não concordavam. Consideravam que não estava salvaguardado, dado que o direito à vida se traduzia em ninguém ter o direito de nos matar. Havia divergências, e eu fui acompanhando todo esse processo. E em 2010, quando foi consagrado o direito humano à água, foi uma sensação de missão cumprida. Mas a minha investigação serve para mostrar que esse foi apenas o primeiro passo. Temos essa consagração, mas implementar, garantir e proteger esse direito é um outro mundo.

O segundo ângulo, que é um trabalho árduo, passa por mostrar que o direito humano à água é [normalmente] imediatamente associado a situações realmente bastante complexas, em países ditos em desenvolvimento. Mas, no entanto, o direito humano à água também é um problema em países como o nosso. E as pessoas esquecem-se disso, porque estão sempre focadas na criação de infraestruturas para levar a água o que, claro, também é importante. No trabalho que desenvolvi durante a crise 2010-2014 em Portugal vi, em conjunto com os e as colegas, que muita gente [foi desligada do serviço de abastecimento de] água. Havia infraestruturas, mas por motivos económico-financeiros, as pessoas não podiam pagar a conta e foi-lhes desligada a água. E o meu objetivo é tornar visíveis dinâmicas que as pessoas normalmente assumem que não são um problema. Mas são, só que há um estigma muito grande e acaba por passar um bocadinho debaixo do radar.

E o terceiro ângulo é a investigação-ação. Se ao dar visibilidade a estas dinâmicas conseguir aprender com o que outros países fizeram e for capaz de transmitir essa informação entre colegas e equipas internacionais é uma mais-valia. Há coisas que já foram testadas noutros países nas quais nos podemos inspirar para tornar o acesso melhor; ou podemos aprender com experiências que correram tão mal que nem vale a pena repetir.

Que momentos mais marcaram o seu percurso na Universidade de Coimbra?

Devo começar por dizer que a minha experiência na Universidade de Coimbra é muito centrada na Faculdade de Economia, porque não estamos inseridos em nenhum polo. Isso tem desvantagens, mas também tem algumas vantagens. E uma coisa que me marcou muito como estudante, e que pude confirmar como docente, é o trabalho em equipa. Há muito trabalho de equipa e muito amor à camisola! Por exemplo, quando cá cheguei não existia este edifício, e tínhamos aulas em pavilhões que, por falta de isolamento, ficavam muito quentes durante o verão. E um dos funcionários, o Sr. Moita, deitava alguma água na cobertura dos pavilhões para os refrescar e conseguirmos aguentar o calor até ao fim da aula. Sempre houve uma grande sensibilidade e cumplicidade entre docentes, funcionários e estudantes, que se mantém até aos dias de hoje. Quando passei para docente consegui ver isso de forma muito clara.

O segundo momento que me marcou, e que vivi enquanto docente, aconteceu quando tivemos de fazer toda a transição para o Processo de Bolonha. No Núcleo de Relações Internacionais, a equipa em que estou inserida, foi muito interessante ver novamente o espírito de equipa. Dividimo-nos em grupos e trabalhámos aos fins de semana e à noite para tentarmos fazer algo conjuntamente. E esse acreditar no projeto é realmente algo que me marca muito. Nem sempre concordamos com toda a gente, nem temos de o fazer, mas sempre houve um espírito de inclusão, de partilha e de apoio que me marcou muito em termos profissionais.

Um terceiro momento, e sem querer estar a vangloriar-me, foi a atribuição do Prémio Ensino da FEUC em 2017. Obviamente, quando nos candidatamos a estes prémios esperamos ganhar, mas, ao mesmo tempo, nunca sabemos quem são os outros candidatos e as outras candidatas. E fiquei um bocadinho surpreendida por ganhar [essencialmente pelo] que isso desencadeou. Ganhar aquele prémio permitiu-me conhecer uma Universidade de Coimbra que não conhecia, por ignorância minha, que tem a ver com uma rede de colegas de todas as faculdades e de todos os centros de investigação que têm uma preocupação pedagógica muito grande. E por ter recebido esse prémio, fui convidada para sessões onde conheci colegas que pensam como eu, que têm valores semelhantes em termos pedagógicos e isso foi m
uito positivo. Por causa disso, estou em redes europeias e internacionais na área do ensino de excelência ao nível do ensino superior e da orientação doutoral. E foi aquele pequeno momento que desencadeou tudo isso. Até hoje, não só trabalho em termos pedagógicos, como também já faço investigação sobre questões pedagógicas. Isso abriu uma janela a uma dinâmica que não conhecia na Universidade de Coimbra e que me agrada bastante.

Para terminar esta conversa, que mensagem gostaria de deixar à comunidade UC, particularmente a quem faz investigação, em jeito de incentivo à prossecução do seu trabalho?

Como é muito difícil conciliar a docência com a investigação, com as responsabilidades administrativas, e como não temos muitos fundos para investigação, a primeira mensagem que quero deixar é: não desistam!

A segunda é: ao desenvolverem as vossas investigações, tenham sempre presente que as nossas investigações têm um compromisso. Não fazemos investigação só porque sim, porque, embora essa investigação só porque sim nos possa dar prazer, não vai ser capitalizada para a sociedade em geral. Esse compromisso passa por fazer investigação para tentarmos, dentro das nossas possibilidades, ter ideias que possam tornar o mundo mais justo, pacífico e inclusivo. É um compromisso que ainda hoje vale a pena – se calhar mais do que ontem.

Na vossa investigação procurem sempre essa ligação com o mundo real, porque ela existe sempre, embora, às vezes, a descuremos um bocadinho porque temos de obedecer a critérios para publicar ou para fazer determinadas apresentações. Não tenham medo desse envolvimento da vossa investigação com a parte normativa, que passar por tentarmos melhorar a nossa vida, a vida das pessoas que nos rodeiam, a sociedade em que estamos inseridos, e a própria Universidade de Coimbra, que é o nosso ecossistema.

Fonte: Coimbra, U. (2023). Caminhos na UC, o espaço das histórias das pessoas da UC. Retrieved 22 January 2023, from https://www.uc.pt/anossauc/caminhos/paula_lopes/


Assista ao vídeo desta entrevista:

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Produção e Edição de Conteúdos: Catarina Ribeiro, DCOM e Inês Coelho, DCOM 
Imagem e Edição de Vídeo: Ana Bartolomeu, DCOM e Marta Costa, DCOM 
Edição de Imagem: Sara Baptista, NMAR


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