domingo, 15 de setembro de 2024

O verão, os carros e duas perguntas

 

 





Cinema de verão ao ar livre, em diferentes pontos do país.

Em 1895, os irmãos Auguste e Louis Lumière fizeram as primeiras filmagens históricas. Inventava-se o cinema.

Eles pensavam numa grande invenção científica, não no divertimento.

Um dos momentos inaugurais: um minuto e pouco de um filme de trabalhadores a saírem de uma fábrica — “A Saída dos Operários da Fábrica Lumière”, a fábrica da família. Foi o primeiro pequeno filme.

Em 1895, portanto, duas revoluções: a do aparecimento do cinema e o facto de serem filmados, no início, não Presidentes Gerais de Tudo, nem outras pessoas poderosas, mas simples trabalhadores.

De qualquer maneira, foram os irmãos Lumière, os donos da fábrica, que filmaram.

O maior poder está em quem filma ou em quem é filmado? Difícil responder. Mas é uma pergunta importante.

2.

A cidade no verão tem menos carros. Mas os ‘menos’ carros são ainda muitos carros, demasiados carros.

Seria interessante fazer-se um cálculo simples, que talvez exista já, mas que não conheço. Em algumas cidades, calcular o espaço público disponível — estradas, passeios, jardins, etc. — e perceber qual a percentagem deste espaço ocupada por carros e pensada para carros, e qual a percentagem ocupada por pessoas.

Não é difícil perceber que, em alguns locais das cidades, o espaço público ocupado por carros parados (em estacionamentos), ou em movimento, será de mais de 75%.

Aquilo a que se chama espaço público é, de facto, em grande parte, ocupado por carros. E carros estacionados. Ou seja, essas máquinas de grande porte, os carros, ocupam grande parte do espaço público, muitas vezes não exercendo sequer a função para a qual foram construídos. Os carros são feitos para andar, não para estarem parados. E sim, um carro é uma máquina de grande porte, não é uma pequena cafeteira, nem tem o tamanho de um telemóvel. Ocupa espaço público a sério.

E subitamente aqui estamos: o espaço público das cidades, construídas pelos humanos, está, em grande parte, dominado por máquinas. Claro que é uma simplificação exagerada, mas poderemos dizer que, com algumas exceções, a casa pertence às pessoas e a cidade aos carros.

E, claro: a casa pertence às pessoas, mas só às que têm essa possibilidade, que são cada vez menos. As casas não pertencem às pessoas e a cidade pertence aos carros — poderíamos dizer, ainda de forma mais extrema.

Uma distopia seria pensar numa cidade cujo espaço público fosse feito exclusivamente de espaço para estacionar o carro, estradas para os carros circularem e oficinas. Imagino uma cidade que fosse trocando sucessivamente jardins por oficinas de automóveis.

3.

Na história do automóvel, em particular na história da construção dos automóveis na Europa, o Citroën DS, criado em 1955, em França, é um marco. Era considerado uma elegância em forma de máquina. A máquina não tem apenas motor, tem também pose de modelo, poderíamos dizer.

O filósofo Roland Barthes escreveu, a esse propósito: “Acredito que o automóvel seja hoje o equivalente bastante exato das grandes catedrais góticas: refiro-me a uma grande criação de época.”

Uma catedral gótica que avança, portanto.

Neste sentido, pensar nos crentes desta igreja com rodas.

Uma igreja que anda — como o carro — obriga os crentes a andarem também.

Podemos assim dividir as possíveis múltiplas igrejas e credos pela mobilidade exigida aos crentes.

Igreja para crentes sentados.

Igreja para crentes em pé.

Igreja para crentes em marcha lenta ou procissão.

Igreja para crentes a passo apressado.

E Igreja para crentes a 100 km/hora.

Esta adoração do carro, esta religião moderna que invadiu as cidades há várias décadas, não dá mostras de abrandar. E com uma agravante: hoje, a grande maioria dos carros não são sequer belos. Estão muito, muito longe de serem belos como catedrais.

Caímos numa armadilha: as máquinas feias dominam as cidades modernas.

4.

E uma pergunta ainda. Não sobre carros, mas sobre algo bem mais sério.

Há uma tragédia recente, inaceitável, que, em pouco anos, se tornou quase parte da paisagem social — paisagem, ou seja, algo a que quase já não se dá atenção.

O emprego sempre foi historicamente aquilo que tirava as pessoas da pobreza. Não ter emprego implicava o risco de cair no total desamparo. Ter emprego era o objetivo, a salvação.

É muito recente este facto, que é dinamite social: muitos hoje têm emprego e são pobres. Ter emprego já não significa sair da pobreza. Hoje há pessoas com emprego que são sem-abrigo. Isso mesmo. Vão trabalhar e regressam depois à rua, para dormir.

Como se chegou aqui?

Gonçalo M. Tavares. Revista E, Semanário Expresso, 6 de setembro de 2024 

 

Dia Internacional da Democracia


 

 

 

O Dia Internacional da Democracia é uma oportunidade para reforçar a importância de defender a liberdade de expressão, as liberdades civis e o Estado de direito; garantir instituições responsáveis; e proteger e promover os direitos humanos. - Secretário-Geral da ONU, António Guterres

 



O tema deste ano para o Dia Internacional da Democracia está focado na importância da Inteligência Artificial como ferramenta para uma boa governança.

Na sua mensagem para a celebração, o Secretário-Geral, António Guterres, observa que a IA tem o potencial de melhorar a participação pública, a igualdade, a segurança e o desenvolvimento humano, mas alerta que, se “não forem controlados”, os seus perigos “poderão ter sérias implicações para a democracia, a paz e a estabilidade”.

A governança eficaz da IA ​​em todos os níveis, inclusive internacionalmente, é crucial, afirma o Secretário-Geral, lembrando que o Órgão Consultivo de Alto Nível sobre Inteligência Artificial divulgou recentemente um relatório “com recomendações sobre como aproveitar os benefícios da IA ​​e, ao mesmo tempo, mitigar os riscos”.
 

terça-feira, 10 de setembro de 2024

Descalça vai pela neve

 

 

Mote

Descalça vai pela neve;
Assim faz quem Amor serve.

Voltas

Os privilégios que os reis
não podem dar, pode Amor,
que faz qualquer amador
livre das humanas leis.
Mortes e guerras cruéis,
ferro, frio, fogo e neve,
tudo sofre quem o serve.

Moça fermosa despreza
todo o frio e toda a dor.
Olhai quanto pode Amor
mais que a própria natureza:
medo nem delicadeza
lhe impede que passe a neve.
Assim faz quem Amor serve.

Por mais trabalhos que leve,
a tudo se of'receria;
passa pela neve fria
mais alva que a própria neve;
com todo o frio se atreve...
Vede em que fogo ferve
o triste que o Amor serve.

Luís de Camões

 


 

 

Camões 500

 

sábado, 7 de setembro de 2024

Dia internacional da literacia

 

8 de setembro

 

 





"Os benefícios da educação multilingue são bem documentados e evidenciados por pesquisas. Quando as crianças recebem educação na sua língua materna, a maior parte delas frequenta a escola, as meninas de áreas rurais permanecem na educação por mais tempo e todas as crianças adquirem melhores habilidades de pensamento. A educação multilingue também apoia o diálogo intercultural, a coesão social e a paz, pois a linguagem é um passaporte para a comunicação com os outros: ela liga-nos através de culturas; ela abre-nos a novas maneiras de perceber e interpretar o mundo; ela fortalece o entendimento dentro e entre os povos." - Audrey Azoulay, Diretora-Geral da UNESCO

 

 



Este ano, o Dia Internacional da Literacia será celebrado sob o tema "Promover a educação multilingue: Literacia para a compreensão mútua e a paz ".

Há uma necessidade premente de aproveitar o potencial transformador da literacia para promover a compreensão mútua, a coesão social e a paz. No mundo de hoje, em que o multilinguismo é uma prática comum para muitos, capacitar as pessoas adotando uma abordagem multilingue baseada na primeira língua para o desenvolvimento da literacia e educação é particularmente eficaz pelos seus benefícios cognitivos, pedagógicos e socioeconómicos. Tal abordagem pode ajudar a promover a compreensão e o respeito mútuos, ao mesmo tempo que solidifica identidades comunitárias e histórias coletivas.

 

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Como se mede a qualidade do ar?

 

 


     

 

A qualidade do ar em todo o mundo continua a deteriorar-se devido ao aumento das emissões, ameaçando a saúde humana e contribuindo para as mudanças climáticas, perda de biodiversidade, poluição e desperdício.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, 99 por cento da população global respira ar impuro, e a poluição do ar causa 7 milhões de mortes prematuras por ano. PM2,5, que se refere a partículas com diâmetro igual ou inferior a 2,5 micrómetros, representa a maior ameaça à saúde e é frequentemente usada como uma métrica em padrões legais de qualidade do ar. Quando inalado, o PM2,5 é absorvido profundamente na corrente sanguínea e está associado a doenças como derrame, doença cardíaca, doença pulmonar e cancro.

Para lidar com essa crise de poluição do ar, os especialistas alertam que os governos devem tomar medidas urgentes para fortalecer a regulamentação da qualidade do ar, incluindo a capacidade de monitorização para rastrear PM2,5 e outros poluentes.


 
 Veja aqui a exposição à poluição do ar em Vila Real (e no mundo) em tempo real.
 
Os poluentes atmosféricos vêm de uma variedade de fontes, incluindo emissões causadas pelo homem – como o uso de combustíveis fósseis em veículos e na culinária – e fontes naturais, como tempestades de poeira e fumaça de incêndios florestais e vulcões.

Os monitores de qualidade do ar são equipados com sensores projetados para detetar poluentes específicos. Alguns usam lasers para digitalizar a densidade de material particulado num metro cúbico de ar, enquanto outros contam com imagens de satélite para medir a energia refletida ou emitida pela Terra.

Os poluentes ligados a impactos na saúde humana e ambiental incluem PM2,5, PM10, ozónio troposférico, dióxido de nitrogénio e dióxido de enxofre. Quanto maior a densidade de poluentes no ar, maior o Índice de Qualidade do Ar (AQI), uma escala que vai de zero a 500. Um AQI de 50 ou menos é considerado seguro, enquanto leituras acima de 100 são consideradas prejudiciais à saúde. De acordo com o parceiro do PNUMA IQAir, apenas 38 de 117 países e regiões tiveram leituras médias de AQI saudáveis ​​em 2021.
 

Como é calculada a qualidade do ar?

Bancos de dados de qualidade do ar processam leituras de monitores governamentais de qualidade do ar, de crowdsourcing e derivados de satélite para produzir uma leitura agregada do AQI. Esses bancos de dados podem ponderar dados de forma diferente com base na confiabilidade e no tipo de poluição medida.

O PNUMA, em colaboração com a IQAir, desenvolveu a primeira calculadora de exposição à poluição do ar em tempo real, em 2021, que combina leituras globais de monitores de qualidade do ar validados em 6.475 locais em 117 países, territórios e regiões. O banco de dados prioriza leituras de PM2,5 e aplica inteligência artificial para calcular a exposição da população de quase todos os países à poluição do ar numa base horária.

Como os governos podem melhorar a monitorização?

A monitorização da qualidade do ar é particularmente escasso em África, Ásia Central e América Latina, embora essas regiões sejam densamente povoadas, o que significa que as pessoas podem ser desproporcionalmente impactadas pela poluição do ar. Os governos devem adotar uma legislação que torne a monitorização um requisito legal, ao mesmo tempo em que investem na infraestrutura existente para melhorar a confiabilidade dos dados. Entretanto, integrar o uso de monitores de qualidade do ar de baixo custo melhorará a gestão da qualidade do ar em nações em desenvolvimento, diz Caldas.

“Monitores de qualidade do ar de baixo custo são mais fáceis de implementar e vêm com uma redução significativa nos custos operacionais, tornando-os uma alternativa pública cada vez mais viável em áreas que não têm estações operadas pelo governo, bem como em regiões remotas”, acrescentou.

O PNUMA é responsável por analisar o estado das iniciativas globais de poluição do ar e fornecer informações de alerta precoce para promover a cooperação internacional sobre o meio ambiente. Por exemplo, o PNUMA apoiou a implantação de 48 sensores de baixo custo no Quénia, Costa Rica, Etiópia e Uganda desde 2020. O PNUMA também tem como objetivo fornecer suporte técnico a mais de 50 países, incluindo Senegal, Botsuana, Argentina e Timor Leste.

“O PNUMA está comprometido em expandir a sua expertise em monitorização da qualidade do ar para ajudar os países a lidar com a crise da poluição do ar”, diz Caldas. “Os governos também devem fazer esforços conjuntos para reforçar a gestão da qualidade do ar para proteger a saúde e o bem-estar das pessoas ao redor do mundo.”

Para combater o impacto generalizado da poluição na sociedade, o PNUMA lançou #BeatPollution, uma estratégia para ação rápida, em larga escala e coordenada contra a poluição do ar, da terra e da água. A estratégia destaca o impacto da poluição nas mudanças climáticas, na natureza e na perda de biodiversidade e na saúde humana. Por meio de mensagens baseadas na ciência, a campanha mostra como a transição para um planeta livre de poluição é vital para as gerações futuras.
 
How is air quality measured? (n.d.). Retrieved from https://www.unep.org/news-and-stories/story/how-air-quality-measured