segunda-feira, 5 de maio de 2025

Blogue RBE em Revista – Abril

 

 




Reviva abril com a curadoria dos artigos do Blogue RBE!

Destaques do mês: 

  • Reflexões sobre literacia digital, cidadania e inteligência artificial Práticas inspiradoras das bibliotecas escolares


Videoconferência: em Português nos entendemos

 

#diamundialdalinguaportuguesa #alermaisemelhor  #latitudesdalinguaportuguesa #RBE

 

A língua portuguesa, à qual a ONU dedicou um dia para ser celebrada mundialmente, é um elo poderoso que une pessoas de diferentes países, culturas e histórias. Afirmar a sua importância como plataforma global de entendimento e partilha entre alunos/ escolas de diversas regiões e culturas é precisamente o objetivo de "Latitudes da língua Portuguesa", evento criado pela Rede de Bibliotecas Escolares para celebrar as diveras geografias e culturas onde o português se apresenta como traço de união. 

Neste dia de celebração, os alunos de Português do 11º H, da ES Camilo Castelo Branco, de Vila Real,  estiveram numa videoconferência, esta manhã, com alunos de 10º e 12º anos, da Eugen Lovinescu Theoretical High School, Bucareste, Roménia, onde partilharam experiências e leituras da poesia de Camões, usando o português como língua de comunicação. A planificação e coordenação da atividade, que incluiu encontros virtuais de preparação, esteve a cargo das professoras Adelaide Jordão e Isabel Lazar, responsável pelo Camões Júnior Center – e-certification Portuguese as a Foreign Language, em Bucareste.

 

 

 

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Este encontro virtual não foi apenas uma troca de palavras, mas um verdadeiro ato de celebração da diversidade e da unidade que o idioma proporciona. Entre sotaques distintos e expressões culturais variadas, os alunos constroem pontes de compreensão e criam laços de amizade, mostrando que a língua portuguesa é, acima de tudo, um espaço de encontro e diálogo global.

Em 2025, a RBE aliou o Dia Mundial da Língua Portuguesa às celebrações do V Centenário do Nascimento de Camões, o seu maior símbolo literário, integrando a atividade Latitudes da Língua Portuguesa na iniciativa Camões, engenho e arte.

Camões 500

 

Ebooks | Tecnodiversidade

 

 

 #7diascomosmedia #literaciadosmedia  #inteligenciaartificial

 


 

 

CONTRA O DERROTISMO EM FACE DA TECNOLOGIA 

Ronaldo Lemos 

Ler ou não Yuk Hui pode ser comparado à decisão de tomar a pílula azul ou a pílula vermelha no filme Matrix [Lilly e Lana Wachowski, 1999]. Optar por não ler a sua obra é escolher a pílula azul: uma bela prisão cognitiva em que permanecemos no conforto da ignorância, enquanto vemos a tecnologia como uma força monolítica que avança por si só. Adentrar a sua obra, pelo contrário, é tomar a pílula vermelha, que nos leva a um futuro incerto, mas, ao mesmo tempo, libertador dos grilhões que a ideia monolítica de tecnologia nos impõe, permitindo aceder a uma forma mais profunda de realidade, certamente mais dura e difícil, porque eivada de responsabilidades. Por outras palavras, Yuk Hui articula como ninguém uma filosofia da tecnologia libertadora com a essência humanista. Essa visão é especialmente importante no mundo de hoje, sobretudo no Ocidente, onde o nosso pensamento foi capturado por concepções sobre tecnologia que são de uma pobreza e de uma miséria enormes. A aceitação crescente da ideia de “singularidade” como orientadora da nossa relação com a tecnologia é um exemplo disso. Por singularidade entenda-se o momento hipotético em que a tecnologia se torna incontrolável e irreversível, fonte de mudanças imprevisíveis na civilização – aquele momento em que a ficção científica prevê a superação do homem pela máquina, que adquire inteligência e consciência de si. A ideia de singularidade é uma distração. Ela pode ser muito útil para a ficção científica e para criar ótimos filmes, mas, como orientadora de políticas públicas e do pensamento relacionado com a tecnologia, é um conceito miserável. Yuk Hui consegue demolir, pedra por pedra, qualquer vestígio dessa ideia que tomou conta do pensamento ocidental. Ele mostra que o que chamamos “tecnologia” não é um absoluto, um fenómeno único ou universal; diferentes sociedades e comunidades políticas podem ter manifestações completamente distintas dela. Nesse sentido, é muito mais realista trabalhar com o conceito de “multiplicidade” do que de “singularidade”. Afinal, além de preservar um ponto cego no pensamento sobre a tecnologia, essa concepção de singularidade é uma ferramenta política: se a tecnologia é um universal, que forças definem a sua construção e disseminação? Nesse sentido, quem molda a tecnologia como universal assume uma postura de dominação, submetendo o mundo à sua cosmovisão. Yuk Hui mostra como ninguém os limites dessa estratégia. Na conversa que tivemos na Universidade Federal do Rio de Janeiro e no Instituto de Tecnologia e Sociedade em 2019, ele falou sobre quanto seria “confortável” se a tecnologia funcionasse como uma força independente e superior à natureza, como os proponentes da singularidade parecem defender. Seria o mesmo conforto da pílula azul de Matrix.

No entanto, a tecnologia não tem nenhuma capacidade de transcendência sobre a natureza, ela faz parte da natureza e do “cosmos”. Seria uma cegueira infeliz pensar de outra forma. Yuk Hui gosta de citar D.H. Lawrence para exemplificar esse facto: “Quando ouço pessoas reclamarem por estar sozinhas, então sei o que aconteceu. Elas perderam o cosmos”. Da mesma forma que a solidão, a confiança na tecnologia divorciada do humanismo pode ser também uma forma de perda do cosmos. É contra essa interposição da tecnologia entre a humanidade e o cosmos que Yuk Hui se insurge. 

Não surpreende, portanto, que Hui tenha nascido em Hong Kong. Entre os muitos papéis que a China tem desempenhado, alguns são inconspícuos. O país está a tornar-se uma potência de imaginação. Hoje, por exemplo, produz, na minha opinião, a melhor ficção científica do planeta, na voz de autores como Liu Cixin ou autoras como Xia Jia e Hao Jingfang. Isso é importante porque, como dizia Jules Michelet, “cada época sonha com a que virá a seguir, criando-a primeiro em sonhos”. 

Quem sonha melhor é também mais capaz de projetar melhor o futuro. Mais do que o sonho, Yuk Hui traz uma das visões mais originais e poderosas sobre como pensar a tecnologia com base numa perspetiva plural, que inclui tanto o Ocidente quanto o Oriente. No seu livro The Question Concerning Technology in China: An Essay in Cosmotechnics, ele faz um apanhado impressionante de como os pensamentos ocidental e oriental trataram a questão da “tecnologia”, mostrando que o conceito “tecnologia” tal como formulado no Ocidente nem sequer pode ser visto na história do pensamento chinês, evidenciando as falhas de se pensar a tecnologia como um universal. 

Muitos acreditaram que a tecnologia seria capaz de fazer a nossa capacidade de agir coletivamente avançar, levando ao progresso da cultura, da democracia, da política ou do pensamento científico – por outras palavras, à expansão dos valores ocidentais pelo planeta. Mas essa visão otimista, que via a tecnologia como uma força universal e objetiva, não se concretizou. Nos últimos anos, houve uma guinada de perceção sobre o papel da tecnologia, bem detetada como premissa por Yuk Hui. A tecnologia tem vindo a mostrar-se como uma força de atomização, que dissolve o coletivo em individualidades cada vez menores e particulares. Uma força que pode ser capturada por interesses específicos, bem financiados e organizados. O que nos leva à incómoda questão: pode um “universal” ser privatizado? Se sim, certamente não é um universal. Em face dos desdobramentos distópicos recentes da tecnologia, é preciso descartar com urgência essa ideia de universal da tecnologia. 

Para compreender a tecnologia para além desse universal, Yuk Hui invoca a busca por uma nova cosmologia, que permitiria a construção de um olhar “de fora”, que colocasse a técnica no seu devido lugar, ou seja, de apenas mais um entre os elementos da existência. Essa ideia de “cosmotécnica” é libertadora. 

O Ocidente, nesse contexto, continua a orientar sua marcha sob a égide do tecnocentrismo. Autores ocidentais, mesmo sagazes, como Danny Hillis, têm vindo a defender que a tecnologia provoca um ocaso do humanismo e a substituir o Iluminismo (Enlightenment), ambos pelo que Hillis chama de entrelaçamento (Entanglement). Nesse “entrelaçamento” estaria a surgir uma nova técnica que assumiria as vezes da natureza e seria incompreensível para a humanidade. Um exemplo seriam as aplicações de inteligência artificial que funcionariam em modelo de “caixa-preta”, inacessíveis aos seres humanos, deslocando-os para um papel subalterno à técnica nessa nova cosmotécnica miserável.

Por outras palavras, enquanto um tecnocentrismo como esse prega uma rendição diante da técnica (tal como no caso da singularidade ou do entrelaçamento), a articulação de Yuk Hui ocorre no sentido oposto, de fuga de qualquer tipo de determinismo. 

Faz sentido. As múltiplas crises provocadas pela tecnologia (das fake news ao aumento da desigualdade) demandam um pensamento novo sobre essa relação. Nas palavras da cientista americana Donella Meadows, a maneira mais eficaz de interferir num sistema é modificar o estado mental ou o paradigma a partir do qual esse sistema – os seus objetivos, poder, estrutura, regras e cultura – surge. Todas as outras estratégias mudanças nos objetivos do sistema, nas regras que se aplicam a ele, na sua estrutura ou na forma como evolui– são menos relevantes. 

Essa subordinação da natureza à técnica lembra o poema de Richard Brautigan de 1967 chamado “All Watched Over by Machines of Loving Grace” [Tudo observado por máquinas de adorável graça], cuja leitura é um alerta de um futuro indesejável à luz desse novo contexto: 

Gosto de pensar (e
quanto antes melhor!)
num prado cibernético
onde mamíferos e computadores
vivem juntos em harmonia
mutuamente programável
como água pura
que toca o céu claro.

Gosto de pensar
(desde logo, por favor!)
numa floresta cibernética
repleta de pinheiros e eletrónicos
onde cervos passam em paz
pelos computadores
como se fossem flores
de desabrochar torcido. 

Gosto de pensar
(assim há de ser!)
numa ecologia cibernética
em que estaremos livres do trabalho
e unidos de novo à natureza,
de volta aos mamíferos
nossos irmãos e irmãs
tudo observado por máquinas de adorável graça.2

 

Sem um paradigma e um novo estado mental que permitam sonhar além da tecnologia, a capitulação torna-se mesmo inevitável. Yuk Hui é o artífice desse novo pensamento. Assim como a lua do escritor Campos de Carvalho,3 hoje o melhor pensamento filosófico sobre tecnologia também vem da Ásia. 

Lemos, Ronaldo. "Apresentação", in Hui, YUK, Tecnodiversidade, UBU, 2020.

RONALDO LEMOS nasceu em 1976 em Araguari, Minas Gerais. Advogado especialista em tecnologia, foi professor da Universidade Columbia, em Nova York, e do Schwarzman College na Universidade de Tsinghua, em Pequim. É cientista-chefe do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro e diretor do Creative Commons Brasil. Participou da formulação do Marco Civil da Internet, lei que regulamenta o uso da Internet no Brasil. É coautor de A vida em rede (Campinas: Papirus, 2015) e autor de Futuros possíveis: Mídia, cultura, sociedade, direitos (Porto Alegre: Sulina, 2012), além de artigos e colaborações para jornais e revistas.

 

Notas: 

1 Pode-se travar a mesma contenda com Yuval Noah Harari. No livro Homo Deus, o autor israelita propugna o fim do humanismo, a ser substituído por imperativos tecnológicos, em linha parecida com as ideias de Hillis. Nesse ponto, creio que o pensamento de Harari seja digno de crítica dada a sua visão empobrecida sobre tecnologia. Ele também age aceitando e anunciando essa derrota do homem pela tecnologia. 2 Richard Brautigan, All Watched Over by Machines of Loving Grace. San Francisco: Communication Company, 1967. 3 Referência ao romance surrealista de Campos de Carvalho, A lua vem da Ásia. Rio de Janeiro: José Olympio, 1956. [N.E.] 

 

As línguas moldam o modo como pensamos

 





"A beleza da diversidade linguística é que ela nos revela o quão engenhosa e flexível é a mente humana", diz Lera Boroditsky.
 






Existem cerca de 7.000 línguas faladas em todo o mundo.
As mentes humanas inventaram não um universo cognitivo, mas 7.000.

 

Impertinente | Um cérebro analógico viciado num mundo digital

 

 #literaciadosmedia #7Diascomosmedia #alermaisemelhor

 



Sabia que, de cada vez que interrompemos uma tarefa para espreitar as redes sociais, demoramos 25 minutos a recuperar por completo a concentração?

Neste episódio do Impertinente, o psiquiatra Gustavo Jesus e Rui Maria Pêgo analisam a forma como a tecnologia e, em especial, os smartphones estão a capturar a nossa atenção e a reconfigurar o funcionamento do cérebro.

Fundação Francisco Manuel dos Santos

23 palavras em homenagem à nossa língua

 

 

 


 


Leio por aí que o dia 5 de Maio é o Dia da Língua Portuguesa [que em 2019 coincidiu com o Dia da Mãe em Portugal ]. Pois bem: aqui ficam 23 palavras em homenagem à nossa língua, de A a Z…

Aprender. Nascemos sem palavras, num choro que se mistura com a dor, o amor e os nervos dos pais. Palavras? Nenhumas. Devagar, aprendemo-las e, com elas, o peculiar mecanismo a que chamamos língua portuguesa.

Beleza. Depois, quando crescemos, usamos esse mecanismo para comprar e vender, namorar e discutir, aprender e ensinar — e também para insultar e conspirar. Mas é também material da literatura, da música, de discursos de coração a bater, de frases sussurradas e que nunca esquecemos. A língua — e em especial a língua a que chamamos nossa — é uma das maneiras que temos de criar coisas belas neste mundo. Não é coisa pouca!

Camões. É a língua de Camões, não porque tenha sido inventada pelo poeta, mas porque era a língua que ele falava… Mas também é a língua do Martim Codax, do Gil Vicente, do Bernardim Ribeiro, do Manuel, da Maria, da Sara — e de todos os que a falam por esse mundo fora.

Descoberta. Diz-se e escreve-se muita coisa que não vale a pena. Mas, no meio de todos os livros que temos na nossa própria língua, há tanto a descobrir. Para começar, o próprio do Camões, que para lá de servir para chatear e para nomear de cada vez que falamos da língua, também serve para ler. E não é só Camões, claro — deixo apenas três sugestões, mais do que batidas, mas novíssimas de cada vez que alguém abre um destes livros: A Queda dum Anjo, de Camilo; A Relíquia, de Eça; Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Ah, e já agora, delicie-se com um livro bem mais recente, descoberto ontem mesmo por milhares de espanhóis, nas páginas do El País: A Sala Magenta, de Mário de Carvalho.

Escrita. Dos milhares de línguas da Terra, só uma minoria tem uma forma escrita. Temos essa sorte. Ainda por cima, ao contrário do que acontecia há 200 anos, uma grande maioria da população sabe escrever — e, hoje, escreve mesmo o dia inteiro. Daí, surgem dúvidas, hesitações e erros — e surge ainda o maior erro de todos: a convicção de que há quem nunca erre. Todos erram — uns mais do que outros, é bem verdade.

Filhos. E quem mais erra — e ainda bem! — são as crianças, ao começar a dominar esta língua, devagar, esforçando-se por aprender as regras, as excepções, os tabus, os truques e as delícias. É pela tentativa e erro que vamos lá — a língua é mesmo assim, qualquer coisa de muito humana, construída no dia-a-dia na cabeça e na boca de cada um de nós.

Galego. Esquecemo-nos de onde veio a língua — sim, veio do latim (que também já tinha vindo de outras línguas mais antigas, numa sucessão que segue por muitos milhares de anos enterrados no passado). Mas esse latim começou a ser cozido nas bocas dos falantes lá para cima, no nosso Norte, mas também na Galiza, onde ainda hoje se fala qualquer coisa de muito parecida com o português. É uma das surpresas guardadas no sótão da língua.

História. Uma língua que já existia quando Afonso Henriques se tornou rei — mas que não tinha o nome que tem hoje. Uma língua que veio lá das serranias do Noroeste da Península e desceu até ao Algarve, fazendo-se depois ao mar. Não é uma epopeia, é uma história feita de tanta gente que não cabe em poucas linhas — ou em muitas linhas. Fico-me, apenas, por estas letras, de A a Z, em homenagem a essa História.

Indignação. O português é também a tentativa — desesperada, inevitável — de o aprisionar nas páginas de dicionários e gramáticas. Não são esses livros que criam a língua, mas tiram-lhe o retrato. Depois, há quem se indigne quando a língua não se comporta sempre como aparece no retrato. Acontece isso com o português e com todas as línguas aqui à volta. Faz parte.

Jogo. A língua também é brincadeira. Às vezes, é até uma forma de passar o tempo, em conversas aos círculos, palavras que não acrescentam, mas que nos ligam uns aos outros nos momentos em que estamos juntos. E é também um jogo no recreio da escola, nas mensagens dos ecrãs, nas canções de embalar, nas anedotas ao jantar, nas frases dos namorados…

Letras. A língua começa nos sons e não nas letras — e, no entanto, são as letras que nos dão o aspecto da língua. As letras e tudo o que as acompanha — por exemplo, no português, temos a nossa conhecida cedilha e o til, criando, só como exemplo, esse conjunto — «-ção» — que nunca inicia uma palavra, mas permite reconhecer de imediato um texto como português.

Medo. Há quem tenha medo de escrever, não vá dar-se o caso de cair no temido erro. Pois bem: é certo e sabido que, sim, vai mesmo cair no erro. Não deixe de o combater, mas descontraia: a língua é demasiado importante e saborosa para se deixar de usar por receio dum qualquer tropeção. Fale (sem pudor). Leia (bons livros). Escreva (por prazer).

Nascimento. Uma língua como a nossa há-de ter nascido num certo momento da História, não é? E, no entanto, nunca nasceu — foi-se criando, devagar, na rua, a partir do que vinha antes e sempre a caminho do que vem depois. Parece uma banalidade, mas não é bem: o português — como todas as línguas — nunca chegou a um estado completo, final. Está sempre a transformar-se, devagar, noutra língua, ligeiramente diferente. Um processo inevitável — mas, valha-nos isso, muito lento… É por essa razão que ainda hoje conseguimos ler poemas que falam de ondas do mar de Vigo e é por isso que, daqui a alguns séculos, ainda há-de haver quem leia um ou outro livro que alguém está a escrever neste preciso momento.

Ondas. Desde o mar de Vigo ao mostrengo que está no fim do mar, a nossa língua tem qualquer coisa de onda e de água, de espuma e de areia. É só impressão minha, certamente, inscrita na minha cabeça por tudo o que já li na minha língua.

Palavrões. Aqui, nesta letra, podia ter deixado Pessoa, com essa frase escrita por uma das suas criações, transformada num dos mais enjoativos chavões da língua («Minha pátria é blá, blá, blá»). O arquipélago de poetas não merece tal sorte. Também podia ter escolhido a pureza, objectivo raras vezes confessado de quem gosta de limpar a língua, a mais desarrumada das criações humanas. Fico-me pelos palavrões — essa prova bruta da força das palavras, da maneira como a língua serve para levar a nossa imaginação, mesmo a menos recomendável, ao corpo e à mente das outras pessoas.

Queria — ou quer? A língua também são os seus mitos, as irritações, as ideias-feitas, as pequenas graçolas. Há quem não goste do simpático «queria» e prefira o «quero». Há quem insista em pedir um «copo com água», para se proteger do perigo de receber um copo feito de água. Há quem ande sempre à caça da falta de lógica da língua. Ora, como a língua não foi feita com um esquadro nem planeada por ninguém, o material à disposição desses caçadores é praticamente infinito…

Redundância. E o que gostam eles (os tais caçadores de imperfeições da língua) de procurar redundâncias! É um desporto divertido, mas um pouco absurdo: afinal, a redundância é essencial a todas as línguas humanas, como é apanágio de um sistema natural. Não fosse a redundância e a língua exigiria sempre silêncio absoluto, atenção sem falhas, falantes perfeitinhos. Não somos robots e dizemos muita coisa em modo de repetição. É mesmo assim…

Saudade. É comum dizer que a saudade é só portuguesa e não se traduz! E, no entanto, traduz-se. A língua é qualquer coisa de muito particular, mas é também universal: não há nenhum grupo de humanos sem língua e, até hoje, não se encontrou uma frase que fosse impossível de traduzir. Até as frases que levam dentro essa portuguesíssima «saudade».

Tradução. Pois é: as línguas são barreiras, mas temos esse bilhete de passagem que é a tradução — ou a aprendizagem de outras línguas. E, no entanto, dentro de cada língua, estão outras barreiras bem mais profundas e difíceis de ultrapassar: às vezes, é mais fácil pôr a conversar um português com um japonês do que um benfiquista com um sportinguista…

Universal. A língua — a nossa língua — separa-nos dos outros povos, é verdade. Há quem veja nisto uma tragédia humana, uma maldição antiga. E, no entanto, imagine-se um mundo em que todos aprendessem, numa geração, a mesma língua. Garanto: poucas gerações depois, as diferenças voltariam a aparecer. Novas línguas surgiriam… Mais vale aproveitar o melhor possível a nossa língua e olhar com curiosidade para as outras línguas todas.

Variação. A língua nunca é pura, varia sempre, de situação para situação (digo «a gente vai» a um amigo, mas não diria numa entrevista»), de pessoa para pessoa (a língua que aprendemos nunca é exactamente igual à língua do vizinho), de terra para terra, de ano para ano… Há quem desespere com esta língua sempre a mudar — mas sempre assim foi e sempre assim será.

X. A mais complicada das letras, com não sei quantos sons — mas também um símbolo do 10, do voto, de um tesouro… A língua esconde sempre mais qualquer coisa — mesmo dentro de uma só letra.

Zebra. A última letra é sempre a mais complicada. Acabamos em «zebra», uma palavra portuguesa que foi exportada para o inglês. Não é a única! E com este animal às riscas, como se fosse uma passadeira que ganhou pernas, termino esta pequeníssima brincadeira em 23 letras, uma homenagem a esta língua em que trabalhamos, namoramos, brincamos, cantamos — vivemos, pois então.


Fonte
Texto de Março Neves, transcrito do seu blogue Certas Palavras. Escrito segundo a norma ortográfica de 1945.
 

domingo, 4 de maio de 2025

Dia mundial da língua portuguesa

 
 

#diamundialdalinguaportuguesa #alermaisemelhor




“Línguas de comunicação global, como a língua portuguesa, desempenham um papel crucial na promoção da compreensão, do afeto, do respeito mútuo e da convivência entre povos e cidadãos das mais distintas origens geográficas.”
Mensagem do Secretário-Geral da ONU, António Guterres








A data de 5 de maio foi oficialmente instituída em 2009 pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) – organização intergovernamental que mantém parceria oficial com a UNESCO desde 2000 e que reúne povos que têm a língua portuguesa como um dos fundamentos da sua identidade específica – para celebrar a língua portuguesa e as culturas lusófonas. Em 2019, a 40ª sessão da Conferência Geral da UNESCO decidiu proclamar o dia 5 de maio de cada ano como "Dia Mundial da Língua Portuguesa".

A língua portuguesa não é apenas uma das línguas mais difundidas no mundo, com mais de 265 milhões de falantes espalhados por todos os continentes, mas também a língua mais falada no hemisfério sul. O português continua a ser, hoje, uma das principais línguas de comunicação internacional e uma língua com forte projeção geográfica, destinada a crescer. 
 
 
 

7 Dias com os media | Dia 2

 

 

  #7diascomosmedia #7diascomosmedia2025 #gilm #alermaisemelhor #literaciadosmedia

 

 


 


Dia 2: A IA já está nas nossas vidas. Quem reparou?



Hoje lançamos-te um desafio: Onde encontras Inteligência Artificial (IA) no teu dia a dia?

Está mais presente do que imaginas – no feed das redes sociais, nos motores de busca, nos assistentes virtuais, nas recomendações de vídeos, até nas notícias que recebes.

A IA ajuda, organiza, prevê. Mas também seleciona, filtra e decide o que vês.

Estaremos conscientes de como isso influencia escolhas, opiniões e hábitos de consumo de informação?


Neste segundo dia, propomo-nos parar por um momento e refletir:

Como funciona esta tecnologia? Quem a programa?

 

sábado, 3 de maio de 2025

Como verificar a informação

 

 







Deves habituar-te a ler todas as notícias e atualizações das redes sociais com algumas abas extras do navegador abertas. Verificar informações com outras fontes pode evitar que sejas enganado e acredites em informações falsas. 

Uschi Jonas, chefe da equipa de verificação de fatos da Correctiv, na Alemanha, diz-nos que informações procurar. 

Perguntas para reflexão, após o visionamento do vídeo aqui apresentado: 

  • O que é que a verificadora de fatos Uschi Jonas quer dizer quando afirma que devemos ler informações online com algumas outras abas do navegador abertas?
  • Como podemos identificar informações que estão a tentar a influenciar-nos emocionalmente em vez de nos apresentar fatos?
  • Pense num site ou conta de rede social que segue regularmente. Como avaliaria a sua credibilidade usando as dicas de Uschi Jonas? 

O Mobile Stories é uma ferramenta de publicação para jovens. Ele oferece orientação para a criação de conteúdo jornalístico confiável, respeitando a ética jornalística. 

O Mobile Stories foi fundado na Suécia em 2015 e já foi utilizado por mais de 10 mil estudantes.


 

Plano de Ação da ONU sobre a Segurança de Jornalistas e a Questão da Impunidade

 

 

 


Com o objetivo de criar um ambiente livre e seguro para jornalistas e profissionais dos media, em 2012, as Nações Unidas desenvolveram, de forma participativa e multissetorial, a primeira estratégia global sistemática para a proteção de jornalistas, que reúne órgãos da ONU, autoridades nacionais, media e organizações da sociedade civil. O Plano de Ação da ONU sobre a Segurança de Jornalistas e a Questão da Impunidade aborda os aspectos fundamentais da prevenção, proteção e repressão.
 
O 10º aniversário do Plano foi um marco para reafirmar, renovar o compromisso e reposicionar os esforços para avançar o Plano da ONU
  • Reafirmar a relevância do Plano de Ação da ONU como modelo de todas as partes envolvidas encarregadas de proteger a segurança dos jornalistas.
  • Reafirmar a vontade política, o propósito e os recursos para promover os objetivos do Plano.
  • Reposicionar-se para aumentar o impacto no local, prevenir ataques, proteger jornalistas em perigo e responsabilizar os responsáveis ​​por ataques contra jornalistas.

O 10º aniversário foi também uma oportunidade para fazer um balanço das principais conquistas da iniciativa durante esta primeira década de implementação, bem como para identificar soluções para os desafios que surgiram ao longo do caminho. Nesse sentido, a UNESCO coordenou um processo consultivo multissetorial, envolvendo consultas regionais e temáticas, para recolher as experiências dos parceiros na promoção da segurança de jornalistas. 


📌Leia os resultados das consultas regionais e temáticas para marcar o 10º aniversário do Plano de Ação da ONU sobre a Segurança de Jornalistas e a Questão da Impunidade.
 

Liberdade de expressão e revolução da IA

 

 

 



O rápido crescimento e uso da Inteligência Artificial (IA) está a mudar profundamente o jornalismo, os media e a liberdade de imprensa. Embora os princípios de media livres, independentes e pluralistas continuem cruciais, o impacto da IA ​​na recolha, processamento e disseminação de informações é profundo, apresentando tanto oportunidades inovadoras quanto sérios desafios.

A IA pode ajudar a apoiar a liberdade de expressão facilitando o acesso às informações, permitindo que mais pessoas se comuniquem ao redor do mundo e mudando a forma como as informações fluem globalmente.

Ao mesmo tempo, a IA traz novos riscos. Ela pode ser usada para disseminar informações falsas ou enganosas, aumentar o discurso de ódio online e apoiar novos tipos de censura. Alguns atores usam a IA para vigilância em massa de jornalistas e cidadãos, criando um efeito inibidor sobre a liberdade de expressão. Grandes plataformas de tecnologia usam a IA para filtrar e controlar o conteúdo visualizado, tornando-as poderosas guardiãs da informação. Há preocupações crescentes de que a IA possa tornar os media globais muito monolíticos, reduzir diferentes pontos de vista e afastar veículos de media menores.

A IA também pode ajudar as organizações de media automatizando tarefas, tornando-as mais eficientes e ajudando-as a acompanhar as solicitações dos consumidores. Mas, ao mesmo tempo, a saúde financeira de muitos veículos de comunicação está a deteriorar-se. Ferramentas de IA generativa reutilizam conteúdo jornalístico sem pagamento justo, retirando receita dos media independentes e repassando-a para plataformas de tecnologia e empresas de IA.

A IA está a desempenhar um papel cada vez mais importante nas eleições, auxiliando na verificação de factos e no combate à desinformação. Ela também fornece ferramentas para os jornalistas e eleitores apoiarem a participação informada na democracia. Mas a IA também apresenta riscos. Ela pode ser usada para produzir conteúdo falso, mas realista, como deepfakes, o que pode prejudicar a confiança nos sistemas democráticos. Enfrentar esses desafios exige a colaboração entre governos, media e sociedade civil.

O Pacto Digital Global da ONU diz que é importante lidar com os problemas causados ​​pela tecnologia e, ao mesmo tempo, proteger a privacidade e a liberdade de expressão das pessoas.

O Dia Mundial da Liberdade de Imprensa de 2025 concentra-se no modo como a IA afeta a liberdade de imprensa, o livre fluxo de informações, a independência dos media e o objetivo global de garantir o acesso à informação e proteger as liberdades fundamentais (ODS 16.10).