
As gerações mais novas parecem especialistas natas em tecnologia, mas a análise às competências mais finas da literacia mediática deixa os jovens portugueses aquém do esperado
“Vivemos num mundo onde os media são omnipresentes”, arranca a “Declaração de Grünwald sobre Educação para os Media”, assinada por representantes de 19 países num simpósio organizado pela UNESCO em 1982 — muito antes de a generalização do uso da internet levar essa omnipresença a novas alturas. “O papel da comunicação e dos media no processo de desenvolvimento não deve ser subestimado, tal como não deve ser subestimada a função desses meios como instrumentos ao serviço da participação ativa dos cidadãos na sociedade”, continua o documento que foi o primeiro ímpeto para a educação sobre os meios de comunicação social que se desenvolveria a nível internacional nas décadas seguintes. “Os sistemas político e educativo devem reconhecer as suas respetivas obrigações na promoção de uma compreensão crítica do fenómeno da comunicação entre os seus cidadãos.”
A aposta na promoção da literacia mediática em Portugal tem dado passos relevantes, nomeadamente através do Plano de Ação para a Comunicação Social, lançado em outubro de 2024, que contempla o Plano Nacional de Literacia Mediática e a oferta de assinaturas digitais de títulos generalistas e económicos para estudantes do ensino secundário, duas medidas aprovadas em março deste ano em Conselho de Ministros.
Repertório mediático dos jovens
6º ano (11, 12 anos)
9º ano (14, 15 anos)
12º ano (17, 18 anos)
Segundo o “Reuters Digital News Report”, 39% dos jovens dos 18 aos 24 anos utilizam como principal fonte de notícias as redes sociais, e apenas um terço dos jovens inquiridos declarou confiar nas notícias que lê nas redes. Em Portugal, a televisão e a internet (incluindo redes sociais) são os meios dominantes, havendo uma clara preferência da primeira pela população a partir dos 44 anos, enquanto os mais jovens consultam mais a internet. Isto segundo o “Digital Media Report Portugal” relativo a 2024, lançado pelo centro de investigação OberCom, que também indica que “mais de 8 em cada 10 acessos a notícias online (84%) são feitos de forma indireta e apenas 16% ocorrem através da visita direta ao website das marcas de notícias”. Uma avaliação recente do projeto bYou, do Observatório sobre Média, Informação e Literacia (MILObs) da Universidade do Minho, destaca a predominância do telemóvel e das redes sociais no tempo despendido pelos jovens a interagir com meios de comunicação (entre três e quatro horas diárias) face à televisão (duas horas) e a jornais, rádios ou podcasts (até meia hora por dia).
“As escolas têm sido excecionais no trabalho para a literacia mediática, através das bibliotecas, mas precisamos de mais consistência. Temos as práticas, mas ainda não tínhamos a política; e a política permite-lhes dar continuidade às práticas”, reflete Sara Pereira, professora e investigadora do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS), da Universidade do Minho, especializada em literacia mediática e na relação dos jovens com os media. “O Plano Nacional poderá significar um incremento grande da literacia mediática da população portuguesa, mas não há ações para o público adulto com a mesma intensidade que há para o público escolar”, lamenta, notando que “as famílias deviam ser o grupo prioritário do plano”. Isto porque os seus hábitos mediáticos — além das habilitações — influenciam diretamente os hábitos das gerações mais novas.
49%
dos estudantes de 15 anos dos países da OCDE afirmaram não serem capazes de avaliar facilmente a qualidade da informação online
Fonte: PISA 2022
O teste-piloto da ferramenta digital EduMediaTest — que permitirá a educadores avaliarem os níveis de literacia mediática dos jovens e cuja avaliação em Portugal, em 2020, coordenada pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), envolveu quase três mil alunos dos 14 aos 18 anos —, reportou que quase dois terços dos estudantes não tinham acesso a jornais e revistas e mais de metade indicava não ter literatura em casa. A avaliação de competências tem seis componentes, entre elas a tecnologia (as competências técnicas do acesso e da navegação na internet) e a estética (a sensibilidade de relacionar produções mediáticas com obras artísticas) — rubricas em que os alunos portugueses tiveram melhores resultados, acima da média da pontuação nos sete países envolvidos no projeto: Espanha, França, Irlanda, Eslováquia, Croácia e Grécia. Já a linguagem foi a que teve piores cotações. No piloto português concluiu-se que os resultados no teste melhoram com a idade, que as raparigas tiveram melhores resultados do que os rapazes, em média, e que o grau académico da mãe ou encarregada de educação parece influenciar positivamente a performance dos alunos. Entre as recomendações resultantes, o relatório destaca, a propósito dos bons resultados no que toca à tecnologia, “a contradição das escolas em reduzir a literacia para os media a uma mera aptidão digital (essencialmente, a sua dimensão instrumental)”, expressando que “tendem a oferecer a maior parte da sua formação na única dimensão na qual os alunos já são qualificados”.
Literacia Mediática
Índice entre 41 países. Máximo 100 pontos
Um outro estudo das competências de literacia mediática de jovens do 12º ano de escolaridade, realizado em 2015 em resposta a um desafio do Grupo de Peritos da Media Literacy Unit da Comissão Europeia, espelha iguais conclusões. Enquanto identifica bons níveis de literacia funcional nos cerca de 700 estudantes avaliados, “as questões que implicavam uma análise crítica, que ultrapassavam os documentos fornecidos e que exigiam um certo conhecimento do campo mediático por parte dos alunos foram muito menos bem-sucedidas nas suas respostas”, expressa o estudo realizado pelo CECS da Universidade do Minho, com o apoio do Gabinete para os Meios de Comunicação Social e da Rede de Bibliotecas Escolares. A análise conclui “níveis muito baixos de literacia para os media”, com uma média que não ultrapassa os 29,01 valores em 100 possíveis. “Os resultados francamente baixos derivam dos exercícios propostos ou da falta de conhecimentos sobre os media? Parece-nos que a explicação estará na interação entre estes dois fatores”, expressam os autores. “Um dos dilemas recorrentes envolveu uma questão que ficou por responder: o que é que estes jovens estudantes devem saber? Sem ter isto bem definido torna-se difícil escolher o que avaliar ou ensinar. Para esta dificuldade em muito contribui o espaço reduzido que a Educação para os Media ocupa nos curricula escolares”. Dez anos volvidos, Sara Pereira, uma das autoras, defende a revisão da análise, denunciando a falta de informação sistemática e atualizada sobre a realidade nacional no que toca à literacia mediática.
O último Índice de Literacia Mediática relativo a 2023, avaliado pelo Open Society Institute — Sofia para 35 países europeus, firma Portugal no 12º lugar, uma subida na qualificação de 2022 (14º), mas uma descida na pontuação, de 61 para 60. A Finlândia, que trabalha a literacia mediática nas escolas há três décadas e é considerada o modelo a seguir no que toca a políticas de educação para os media, lidera o índice. O Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), o maior instrumento de avaliação da educação a nível internacional, foca-se nos alunos com 15 anos e nas suas competências em leitura, matemática e ciências. Na edição mais recente, de 2022, analisaram-se as capacidades digitais dos alunos e concluiu-se que, embora 64% afirmassem ser capazes de procurar informação relevante online, 49% admitiam não ser capazes de avaliar facilmente a qualidade da mesma informação. A próxima edição do PISA, que será conhecida em 2026, vai integrar uma avaliação mais aprofundada das competências digitais, e um outro estudo, a ser aplicado em 2029, vai focar-se na literacia dos media e de inteligência artificial dos alunos dos países da OCDE. Sara Pereira defende que se deve apostar em estratégias que partam “do mundo jovem para o mundo adulto”, e não o contrário, justificando que é pela participação que os jovens conseguem ganhar consciência crítica das suas práticas. Exemplo disto serão os meios de comunicação escolares, como jornais, rádios ou televisões, que são o “espaço fundamental do desenvolvimento não só da literacia dos media mas também da literacia cívica”, descreve a investigadora do MILObs.
Inês Loureiro Pinto (texto), Jaime Figueiredo (Jornalista/Coordenador-Geral de Infografia) e Cristiano Salgado (Ilustrador). E-Revista, Semanário Expresso, dia 6 de junho de 2025.