domingo, 7 de dezembro de 2025

Vicente Gil fala sobre as suas raízes ciganas

 

 #interculturalidade #alermaisemelhor








Vicente Gil continua a surpreender muitos quando fala sobre as suas origens étnicas. O ator da novela da SIC 'Vitória', onde dá vida à personagem Afonso, é cigano, mas nunca permitiu que a imagem pejorativa associada à comunidade limitasse a sua ambição.

Nasceu e cresceu no Porto e, desde muito jovem, foi incentivado pela mãe a frequentar teatros, concertos e outros espetáculos da cidade. Chegou mesmo a fazer teatro comunitário nos bairros da periferia. Mais tarde, essas experiências acabariam por definir a sua vocação. Hoje, reconhece a importância de existir “um ator cigano, licenciado, lourinho e lavadinho” na televisão portuguesa. “Eu não pareço cigano porque não correspondo àquela imagem pejorativa. É importante que as pessoas se deparem comigo”, afirma.
 
 

Alta definição (SIC). Daniel Oliveira entrevista Vicente Gil

O preconceito, no entanto, acompanhou-o desde cedo. Em conversa com Daniel Oliveira, recorda os tempos de escola em que ele e os familiares eram conhecidos como “os ciganitos” e chegaram a ser aconselhados pela própria diretora a não revelarem a mais ninguém a sua origem. “Estas discriminações continuam até hoje, até quando vou à Segurança Social. Não acreditam que uma pessoa como eu pode ser cigana”, lamenta. E, embora compreenda que nem sempre há intenção maliciosa, não deixa de sublinhar: “As nossas instituições são xenófobas; mais facilmente nos pedem a nós para nos modificarmos. E é assim com muitas minorias.”

Com o tempo, porém, aprendeu a transformar os valores da sua identidade étnica numa força. Características que descreve como “pelo na venta”, “garra” e “questionamento sobre o mundo” ajudaram-no a chegar onde está. Acima de tudo, sente profunda gratidão pela educação que recebeu da mãe. “A minha mãe é uma grande mulher cigana. Quem me dera que pudesse ser mãe de muita gente, dar garra a certas famílias”, diz, com um sorriso. O ator não só entra em novelas da SIC, como já trabalhou com a realizadora Leonor Teles na curta ‘Cães que Ladram aos Pássaros’.

No 'Alta Definição', enquanto revisita a sua história e as suas raízes, tenta responder à pergunta que acompanha toda a conversa: afinal, o que é ser cigano? O programa foi emitido a 6 de dezembro na SIC e está disponível aqui em versão podcast.




Daniel Oliveira. Podcast "Alta definição", Expresso, 5 de dezembro de 2025

quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Um minuto para calar o ódio

 

 #violênciadegénero 

 


Basta um minuto online para sermos expostos a conteúdos que nos dividem. Neste Natal, use esse minuto para fazer uma escolha diferente: Cale o ódio que vibra no seu telemóvel e pense antes de o partilhar.

 

 

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Um mal tranquilo e banal

 
#orangetheworld #violênciadegénero #alaranjaraescola #alermaisemelhor



Cartoon de Allan McDonald


A maioria dos homens que acabam por chegar ao homicídio de mulheres são o contrário do cão que ladra mas não morde


Eu bem tento dar a volta aos textos que me chegam sempre que tenho de dar mais uma notícia sobre violência doméstica. Procuro carregar mais e mais na devida tecla do horror, a única admissível na matéria. No entanto, a cadeia de dados que começa nas chamadas “entidades” oficiais e desagua nos jornalistas já parece ter desistido, apesar de falar constantemente em “alertas”, em “sensibilização”, em “necessidade de mais campanhas”.

Nas televisões, rádios e jornais, o tema vai sempre no comboio de outras estatísticas. Não sei quê que subiu, ou desceu, percentagens, referências à “comparação com o mesmo mês do ano anterior”, toda essa charanga que o jornalismo usa para encher as horas infindas em que tem de estar a dizer alguma coisa. Já assisti a critérios que devem ter sido baseados “naquilo que tiver números para se dizer”, e o último trimestre de violência doméstica vinha a seguir às variações dos combustíveis na semana, e a um dos favoritos da nova informação: como andam os preços no cabaz de compras da Deco.

Vá lá que ouvi, recentemente, alguém de uma associação de apoio a vítimas defender com veemência uma mão mais firme da justiça logo às primeiras suspeitas, queixas e acusações.

A razão é simples e aterradora. A maioria dos homens que acabam por chegar ao homicídio de mulheres são o contrário do cão que ladra mas não morde. Os números mais recentes mostram que cada mulher assassinada já tinha sido agredida, já tinha feito queixa, já tinha pedido ajuda. É urgente estar atento aos primeiros sinais, e, sobretudo, agir aos primeiros murros e pontapés. Mas os sucessivos Governos parecem confiar que o problema não há de aborrecer-lhes muito o período de regência, e quem vier depois que trate do assunto com mais atenção.

Das ditas “campanhas de sensibilização” já nem me apetece falar mais. Esse folclore inócuo de fotos e vídeos muito estilizados, sabe-se lá com que mensagem. Aquilo serve a quem? A estética da mulher agredida, muito bem filmada, a olhar-nos com os cortes e feridas nos sítios certos para não aparecer muito desfigurada? Mais os joguinhos de palavras à publicitário moderno? Servem a quem? Adiantam?

Eu pensaria duas vezes antes de continuar com a mesma estafada mensagem mole e inconsequente, e nem me baseio em “sensações” minhas. Baseio-me, por uma vez, em números, como exigem os grandes teóricos que defendem sempre “calma, as coisas não estão assim tão mal como se diz”. Sim, eu que acho que a violência tem sido reduzida a números e frias estatísticas, como se já se tratasse de um boletim meteorológico das mulheres assassinadas, venho hoje com números para esfregar.

Cada notícia que dou, a cada semana ou mês, mostra que os casos não descem, e sobem. Portanto, na mais básica análise matemática, alguma coisa está a falhar, ou muita coisa ao mesmo tempo, ou sucessivamente, como nas mais catastróficas avarias de avião.

Acontece que até esta violência está politizada, para mal das vítimas. Há uma estreiteza tal de mentalidades, que nos trouxe a este estado de extremos, que chegámos ao ridículo de não se poder sequer pensar em discutir um aumento de penas, por exemplo, sem haver logo um clamor de que “é uma medida à Chega, logo é fascista”. Lamento, mas estou farto da nova solução mágica para fugir de discussões que não nos apetece ter: dizer que o outro, ainda que não tenha acabado a frase ou o raciocínio, é facho ou esquerdalho.

Agora que já tentámos as comissões, as campanhas giras e “fortes”, os apelos à educação dos “jovens que serão os homens do futuro” (para quem puder dar-se ao luxo de esperar décadas pelo crescimento deles), agora que os juízes continuam a reenviar agressores para casa, ou porque estão de mãos atadas pela lei vigente, ou porque ainda há muitos que não vêem mal numa ocasional estalada na esposa para a meter na ordem, agora que todo este estado de sítio nos condenou a fracasso sobre fracasso, sobre horror sobre horror crescente, não seria de responder aos violentos com o músculo que os direitos humanos têm de ter, sob pena de serem mero catálogo de boas intenções? Os homens que matam são versões domésticas e multiplicadas de uma lógica de Putin. Avançam os seus reinados de medo sem medo de grandes represálias. Não têm medo de grandes sentenças de prisão, não têm medo de ficar presos logo na primeira agressão, e ainda podem regressar a casa tranquilos, onde ficarão sem ninguém os chatear, a beber cerveja com os pés em cima da mesa, porque entretanto a mulher e os filhos é que foram transportados para uma casa-abrigo. Não encontro outra forma de o dizer: em Portugal, o crime de violência doméstica compensa. Em Itália, o parlamento já deu um passo de gigante para atacar a sensação de impunidade dos assassinos. Ah, mas mas não se pode falar de Itália, por causa de Meloni. O costume. Tentem continuar a anunciar “combates” ao massacre sobre as mulheres só com apitos e botões de emergência. Boa sorte com isso.

Rodrigo Guedes de Carvalho. Um mal tranquilo e banal. Expresso, 27 de novembro de 2025.